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Paulo Sérgio Rosseto
Poeta e Escritor
LIVROS PUBLICADOS:
O SOL DA DOR DA TERRA - 1981
MEMORINHA - POEMAS
INFANTIS - 1982
ATO DE POEMA E UMA CANÇÃO - 1984
AMOROSIDADE - 1985
CRÔNICAS ABERTAS - Poemas - 2018
DOCES DOSES de POESIA - Aldravias - 2018
VERSOS de VIDRO e AREIA -
2019
POEMAS QUE VOCÊ FEZ PRA MIM - 2019
LÁ PELAS TANTAS DA VIDA -
2019
FAZENDA HAICAIS - 2020
ABELHINHA PEQUETELLA - 2020
POETA
ENTRE COLUNAS - 2020
POEMAS QUE VOCÊ FEZ PRA MIM - Vol 2 - 2020
NAS ASAS DAS HORAS - 2020
BULBOS diVERSOS - 2021
SONETOS ESQUISITOS PARA NINAR MOSQUITOS - 2021
BORDEJAR - 2021
PLENO ESTADO DE POESIA - Poemas Reunidos Até Aqui - 2021
LÁ PELAS TANTAS DA VIDA - 2ª Edição - 2022
VÍVIDAS Noites Azuis - 2022
PRÉDICA DO APRENDIZ E DEMAIS FILOSOFICES - 2023
IMORTAIS IV - Academia de Letras do Brasil (ALB) - Ed. Alternativa - 2021
OS CORDÉIS DE CORDEIRO - Um Pra Cada Um - 2021
LAPSO
Quis ser interpretador de lágrimas
Ver além das gotas salgadas
Que pulam dos olhos em pranto
Saber de onde vêm e intensas escorrem
Decifrar sussurros e fantasias
Encontrar poesia na dor de outrem
Mensurar a cor da alegria
Antes que rolassem como estrelas caídas
Acolhê-las como apanhador de pérolas
Revelar o brilho oculto de cada uma
No mistério das emoções transparentes
Quis ouvir de todos gritos e silêncio
Ler o rio das tristezas dos justos
Transbordar cada gota vertida
Em versos de formas indefinidas
Das lástimas e benesses da vida
Tanto que se esqueceu de chorar!
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Soube que o poeta é um adivinhador do invisível
Revela um mundo que talvez nem há
Apalavra os suspiros os cheiros e as cores do ar
Desvenda mistérios que o olhar não alcança
Preconiza em versos
Fomenta a essência
Dizem que desvenda as facetas
Desafia o tempo que sempre tenta impactar
Solta as amarras díspares e os véus
E nos convida a enxergar além dos olhos seus
Mas o poeta retrata somente o que acontece
Por vezes apenas junta ingredientes
Faz as massas
Amassa-as
A poesia sim com precisa elegância as assa
E o coração se alimenta da saga
Que permanece
Todo o resto passa
TODO AMOR
Assim quando escurece
É porque seu guardião juntando os dedos
Repousa o sol em suas mãos
E após algumas horas
Vai soltando as garras
E o lança de novo ao espaço
Para iluminar o firmamento
Se as tardes nos privam a luz intensa
As noites fazem parir auroras
Assim eu vou contando o tempo
Até me ir embora
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TRATADO SOBRE A AMIZADE
Por não haver receita
Nem fórmula pronta
Para amizade perfeita
Ser amigo é um perigo
Poderá virar vício
Até parecer permissivo
Tão saboroso estarmos juntos
Às vezes serei remissivo
Transparecerei insano
Imprevisível
Evasivo
- Coisas de humano
Mas amizade é isso
Amigo
Escolherei esses dias claros
E também os dias tristes
Para estar contigo
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POR ISSO TE AMO
A ponto de achar
Que não mereço
Por não caber em mim
Por ser assim imenso
Penso ser tão intenso
Que não seja meu esse amor
Mas ah que loucura pensar nisso
O amor não se mede
Por princípios
Por isso te amo
Desde o começo
Desde o início
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APENAS
Pensas que te escrevo
Imagino que me leias
Na verdade és tu quem me dita
Poemas
Poemas
E mais poemas!
Acredita
Eu te transcrevo
Apenas
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ADIANTE
Enquanto o sol foi nascendo
Vi pássaros cruzando perfilados
O tênue céu laranja
Voavam assobiando cantorias
Renovando os rumos
Refazendo os mistérios do dia
Lembram que dentro das noites
Toda luz se ajeita por maneiras diferentes
Até que amanhecesse e assim continua
Umas vidas descansam outras agitam
Enquanto haverá do que nos falte
Sempre existirá quem esbanja
Justamente porque passamos com os pássaros
Ou somos espaços por onde partem
A uns acordados há tantos dormindo
Tudo ecoa entre as memórias da gente
Nossos passos precisam desenhado o adiante
Para continuarmos - ficando ou seguindo
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QUINTAIS
Em minha casa itinerante
As horas me passam soltas
Em arruaças constantes
Irrequietas feito aves
Revoam pelos ares a todo instante
Onde a imaginação peralta
Se faz presente
Coloridos e engraçados
Os derredores da minha casa
São de ideais e ideias
Há um verdadeiro viveiro de aeronaves
Chilreando pelos braços das árvores
Aconchegante é o lar que me abraça
Vivo em viajante estado de graça
Dando asas passarinhas
Aos quintais da minha mente
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PASSARÃO
As aguas por debaixo e sobre as pontes
As imagens refletidas nos espelhos
Os anos como se não fossem vividos antes
E não ousássemos nos imaginado mais velhos
Perdidos nas inconstâncias das vaidades
Todas as tristezas e alegrias
Além das delícias das idades
Passarão por aqueles que prometem
Amar eternamente
De tudo o que passamos e passaremos
Hão de permanecerem somente
Algumas partes
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PARA EVITAR PARTIR
Construa tua casa
Num lugar de bem saber
Para não precisar muros
Evita cercar escuros
Para nada reluzir
Erga paredes com silêncios
Nas janelas cortinas de mistérios
Para ninguém espiar teus hábitos
Por móveis usa os sonhos
Tecidos com fios de ilusão
Cada cômodo faz um encanto
Assim nada terá pressa em passar
Nem mesmo a sina
Não me ensina o endereço
Tenta morar oculto
Dentro das indizíveis paredes
Encontra a paz que almejar
Caso eu venha descobrir
Não me peça para entrar
Posso me acomodar
Posso não querer sair
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VARAIS
Fiz da poesia um varal
E nesse esticado arame ainda que farpado
Exponho ansiedades e dilemas
Gritos que se entrelaçam por palavras
Em versos sortidos
No varal dos sentidos
Pendo meus medos
Cada linha revela sentimentos
Os dilemas dançam em ventos diversos
Numa teia inconstante minha alma se expõe
Ansiedades despidas vulneráveis dispostas
Como roupas nas quais o tempo roça
Entre rimas e metáforas flanam embandeiram
Em velas presas pelos versos navegam passeiam
E assim nesse varal de emoções expostas
Entre lágrimas e sorrisos e até falácias
Minhas letras são compostas
Cada verso é um fio que sustenta a minha essência
A poesia é a janela da alma inquieta
O que me completa estendo no varal da vida
Não fosse assim nem seria poeta
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ENQUANTO TE PROCURO
Todavia essa alma minha
Aninha-me ao colo insípido da terra
E se faz de mim contumaz peregrino
Ela comigo pela terra peregrina
A minha alma apreenderá o infinito
Que ao contrário do chão frio barrento
Entre pedras arraigado ao solo
Entenderá que a carne deteriora e erra
Mas eu procuro-te agora enquanto pulsa
Pois é da terra que me vem o alimento
A persistente sobrevida dessa teimosia
Que é da terra que me vem em fantasia
No momento em que a alma distancia
Certezas de que serei terra evidente
E dúvidas se a alma também morre-me um dia
Por isso lanço as mãos em meus apelos
Como fosse um tango descuidado
Tocado de ouvidos mais estranhos
Bailando como se eterno seria
Eis o tanto que me apega as tantas alças
Se os meus lábios se iludem com falácias
Eu recolho-me à pequenez de criatura
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A FACE DO AMOR
Pensei ter visto a face do amor
Apenas onde morasse o beneplácito
Gravada nas estampas que gostasse
Onde houvesse a beleza da cor
Nos gestos plenos de felicidade
No apogeu da alegria sem maldades
Em botões e pétalas de rosas abertas
No acolhimento das bênçãos e orações
Na candura e inocência das verdades
Não
O amor mora também detrás do escuro
Debaixo da abrupta tempestade
Brota do absurdo cruel da dor
Reside nas facetas desprezíveis do cotidiano
Onde menos imaginamos há o amor
Na lágrima que cai em silêncio só
No abraço apertado que cura o aflito
No sorriso frágil diante da adversidade
No perdão que transcende vaidades
Revela-se entre os nós e entrelinhas da vida
Nos momentos que parecem fugir da medida
Habita nos gestos simples mais singelos
Nos olhares sinceros e profundos dos elos
Encontra morada no calor do abrigo
Na paciência que acalma conflitos
Na compreensão que brota do compartilhar
Na entrega e comunhão do perdoar
O amor não se limita a estampas perfeitas
Ele se desvela em todas as facetas feitas
Onde menos esperamos
O amor está presente no além do que amamos
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SEDE
Os meus olhos tem sede de horizontes
De imagens que ainda não vi
De poentes que ainda não vieram
Das manhãs que já vivi
Dos amores que me chegaram antes
Das tardes que se apagaram sem sentir
Meus olhos anseiam o desconhecido
Auroras de sonhos por nascer
A bruma dos segredos escondidos
Nos caminhos que estão por percorrer
Procuram nas linhas do destino
Encontros de almas que se entrelaçam
Histórias que esperam ser escritas
Em cada abraço e sorriso que enlaçam
Meus olhos são do tempo viajantes
Sedentos das inconstantes instâncias
Que voam além das fronteiras conhecidas
Buscando entre insights e disfarces
Respostas para perguntas incessantes
Meus olhos são buscadores de encantos
Desvendando segredos nos recantos
São testemunhas de lágrimas e sorrisos
Em sendo exploradores incansáveis
Desbravam o tempo sonhadores
Buscam na essência da vida cada instante
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LIBERDADE
No emaranhado de fios que nos prendem
Em meio amarras do viver
Emergem asas que nos pertencem
São respiros guardados que teimam em florescer
Liberdade de vasto horizonte
Que se agita no peito como pássaro cantor
Entre muros erguidos clama seu monte
Desfaz fronteiras semeia caminhos a percorrer
Não é só rompimento nem só voar
É a imensidão que nos invade vital
De um labirinto a desvendar
Liberdade das múltiplas faces a dançar entre limites
Desafiando prisões e o conformismo assim
Que ao abrir portas revela belezas
És suspiro na alma brisa na pele
És a fagulha que impele e acende a chama do ser
Nas escolhas que fazemos no que se revela
És o encontro conosco és o direito de ser
És tesouro impalpável que se sente e se vive
Mas não se pode prender
És o próprio pulsar o sopro invencível
O fio de esperança que nunca se rende
Que os passos sejam gritos de liberdade
Nossos versos sejam sopro de ar
Que a vida seja a busca incessante por verdade
Nesse eterno balanço entre o ser e o se encontrar
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SORRATEIRO
Dizem que o céu é o destino
De toda alma que se dá ao beijo
Mas se nossos lábios não se propõem tocar
Lança os teus olhos nos meus olhos
E beija-me de intenso olhar
O olhar tem essa densa força
De entender qualquer mistério
Desvendar a presença do óbvio
Inventar devaneios da língua
O que nem a boca consegue falar
Acolher anseios mesmo que proibidos
Enxergar a si mesmo no outro
Como num espelho sorrateiro
E se esse gosto de profano for etéreo
Todo o humano eximirá qualquer culpa
Donde flui enfim esse desejo tão divino
Em meio ao que houver em nós de verdadeiro
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NOTURNAS
A mais bela parte do dia é noite
De matiz preto e único
Que se parte esbranquiçada e láctea
A imensidão do escuro
Brinca de forma lúdica
Acendendo no firmamento
Se dividindo em auroras
Por isso a profusão das cores
Na vastidão do universo
A ilusão das passagens
A compilação dos mundos
As miragens
Nossos olhos não são noturnos
Carecemos da luz das alturas
Entre as negritudes lindas
Somos criaturas feitas de paisagens
Se a noite evapora nas horas
Também os dias claros vão embora
Eu não temo a efemeridade do tempo
De todas as visagens
Apenas não amar me apavora
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BAILARINA
Depois de brilhar no palco
Depois de dançar na chuva
Tanto pular calçadas
Tanto correr a rua
Pliés tendus jetes
De tanto saltar nos arcos
De tanto pisar a areia
Tanto saltar nas nuvens
Tanto ensaiar no espelho
Fondus adagios frapés
Sem sequer rasgar as sapatilhas
Sem sequer molhar as sapatilhas
Sem sequer sujar as sapatilhas
Minha bailarina tem os pés descalços
E dorme nos meus braços
Um sono tão profundo
Como se bailasse no espaço
E acordasse iluminada
Pelo holofote da lua
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MINHA SOLIDÃO
Minha solidão se prende a cidades diferentes
Que não pertencem a nenhum país
Nem nação nem continente
Minha solidão habita nuvens
Elevadas pelos ventos
Pintadas do branco em cinzas
Entravadas em julgamentos
Longe da contagem do tempo
Sem linguagem nem religiosidade nem argumentos
Não têm copas suas arvores
Não tem arvores nem há sonhos de subir por entre as folhas
Ir trepado pelos galhos atrás de frutos estranhos
Que dependuram no alto e caem quando maduros
Não tem pássaros repousando nem casas de marimbondos
Não tem formigas nem besouros flutuando pelo escuro
Minha solidão mantém
Portas atentas às esperas
Porem certas de que não vêm
Mas sou eu quem cerca em muros as beiras das minhas nuvens
Sou eu quem as seguro e as retém
Minha solidão é pavão com asas de olhos molhados
E pés sem chão
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NA COR DOS OLHOS DA GENTE
Mesmo sem sombras o oceano dissolve a luz
Sobre sobras que deixa transparecer
O restante guarda nas alcovas
Também ele é feito de assombros
Que soçobram ou encantam nossas vidas
Diante do mistério absoluto que prova
Na fluidez da solidão das ondas
Parece insensatez contumaz
Ocultar da face do mundo
Tesouros tão profundos
O oceano mente incontinente
Mas detém seus motivos e segredos
Quando desassombra nossas mágoas
Ignorando angústias e medos
Tão imenso quanto soberbo
O que o oceano esconde do horizonte
Revela-se na cor dos olhos da gente
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A VIDA NÃO ME PESA
Se a vida não me pesa tanto
Enquanto estou acordado
É que o mistério da noite
Calca-me o dorso que dorme
Para que a alma afugente
A lassidão vulnerável da carne
É ilusão que remoço e descanse
Estendido na cama inerte
Que revivo ou então envelheço
Enquanto durmo e não penso
Ou quando me torno reverso
Ausente da consciência
Sonho mesmo é recolhido
No silêncio da madrugada
Palavreando as esperas
Aguardando o sol que nasce
Igual surgi entre entranhas
Do amor que me fizeste
Esse corpo é mera carcaça
Amigo impessoal do espírito
Que tenta dar-me a imagem
De um vulto que desconheço
Do instrumento que preciso
Para escrever-lhe meus versos
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ETERNAMENTE
O violão que dorme no quarto
Pousado intacto sobre a cama
Teus dedos não conseguem fazer vibrar
- Engraçado
Ainda te sinto tocar!
As tuas musicas atravessam as paredes
E rompem o silêncio dos meus medos
Para poder te ouvir escutar os cantos
- Engraçado
Pareço te ouvir cantar!
Tantas guarânias e lá lá lás e os lero-leros
Das rimas apaixonantes sem compassos
Nos passos das valsas e boleros
- Engraçado
É como se te visse dançar!
Toca canta dança
Deixa tua arte explodir teus encantos
Como antigamente
Para que te ouça sinta e veja
Amar-nos eternamente!
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O GUARDIÃO
Eu fui guardião de um rei
Que eu mesmo inventei antes de crescer
E enquanto eu crescia meu monarca partia
Ampliando seu reino pela cercania
Conquistou outras terras
Ganhou tantas guerras
Domou bestas feras
Que as façanhas repercutiam
Repercutiam
Repercutiam
Foi então que me apaixonei
E todo o reino se enfraquecia e desfez
Pois enquanto ardia em paixão
Meu soberano fingia me desconhecer
Mas era eu quem não me conhecia
Somente quando a ilusão se ia
Voltava eu a ser escudeiro protetor
Das cidadelas que havia dentro do meu ser
Enfim eu nunca sabia se sofria ou não sofria
Por tanto amar o que não sei se amei
E se até ontem eu não sabia
Ainda hoje não mais saberia
Por onde andará meu rei
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CIO
Beira de rio costuma haver lugar macio
Onde a onda bate suave sem quebrar
Nem machucar o mato que margeia
É como se pedaços de agua pausassem da correria
E se deitassem na margem para descansar
As aguas que batem pelas beiradas
Brotam debaixo da saia das ondas
Que vazam do meio das pernas do rio
E seguem direto do rumo do leito
Do lado esquerdo ou direito das bordas
Sabedoras de jamais voltar
O rio entretanto alonga e alaga nas cheias
Endoidece que até perde o prumo
Quando vaza saltitante na corredeira
Depois novamente amansa o cio
E se transborda é de tanta história
Louco para contar ao mar
Toda essa agua que esguia passeia
Canta cantigas que somente escuta
Quem navega nos rios da vida
E mergulha na sorte de se deixa levar
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PARTES
Ao longo do dia divido-me em partes:
A parte que recolhe olhares e os reveste em cores
Outro tanto que reparte palavras para explicar-lhes
A soma que recobre sonhos e os acorda tarde
Uma enormidade que pretende tudo e do nada sabe
Um pouco que encoraja a voz a emular milagres
O muito que dilata o pouco ainda que desmanche
O mínimo que concilia a timidez à arte
Nas partes que reparto unifico-me transparente
Insigne como coleção de máximas ausentes
Significantes por não pertencerem mais ao choro
Tudo é feito com propriedade
Tantas partes dividem-me por motivos tantos
Ante a obviedade do nada que sangra ou arde
O que não faço é adormecer a sombra
Dos motivos óbvios a desconhecer
O que me fora dado sem que houvera lágrima
Pois somente assim me valoriza o todo
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FAGULHAS
Teu olhar sustenta os meus olhos
Na plenitude máxima e intensa da luz
Onde reverbera o som das esferas
Que circundam as fagulhas
Das densas intenções
Eu absorvo cada segredo que esse olhar me revela
Não é de solidão que sofro agora
Apenas aquieto as vontades e desperto a memória
Para lembrar-te tão prevista quanto bela
Hoje à tarde nossos olhos dançaram tão íntimos
Que incendiaram mútuos
Depois se perderam de vista
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JÁ ÉS TÃO QUERIDA!
Mesmo antes de nascer, já és tão querida,
Amada por pessoas que ansiosas te aguardam,
Recebes a vida destes que te acolhem com amor;
Iluminarás o sol com os sorrisos da infância
Alegrando nossos dias com a doçura da inocência.
Olhos brilhantes acenderão qual estrelas que
Lembrarão mil flores em jardins de primavera,
Irradiando a luz que contagia-nos ao teu redor.
Viveremos por ti, Maria Olívia Maria,
Inspirados no teu jeito meigo e encantador.
Amor puro e verdadeiro é o que trarás ao mundo!
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O FAZEDOR DE PALAVRAS
Disse-me uma vez o silêncio
Não haver função mais bela
Que a de fazedor de palavras
Faz palavra pra cantor
Palavra pra quem nada diz
Palavra de chamar amor
Palavra chula sem valha
Daquelas que oram e curam
Dessas palavras que choram
As ofensas das malditas
Palavras que não se falam
Vive pensamentando e ri
Da lavratura da ideia
Idealizando vocábulo
Dando voz ao tagarela
Torna sonoros fonemas
Dispõe os significados
Permitindo que se escreva
Imprima e comprima no peito
A palavra certa de agora
Minha língua é aprendiz
De toda palavra dita
Nos idiomas da terra
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ABRIGOS
Quando inventei pássaros
Aprendi a bater asas
Nascidas entre os dedos
Nas mãos postas em conchas
Em arremedos de ninhos
Ainda sem penas ensaiavam voos frágeis
Sem pudor dos próprios medos
Mesmo em ristes partiam contentes
Quando dobradas saiam confiantes
Quando ajuntadas voavam reunidas
Nos ritmos instantes
Alçavam das linhas aquecidas
Para pousos despreocupados
Por lugares que nem existiam
Minhas mãos envelhecidas
Vivem hoje mais prudentes
Por conter os dedos trêmulos
Ainda que já menos quentes
Entremeio aos perigos
E as tantas asas batidas
Retomam para seus berços
À procura de abrigos
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VONTADES
De tanto que a precisava livre
O menino não temia ser diferente
Cria poder
Envolver o mundo em versos
E desvendar-se depressa
Ela zombava
Dessa tolice sem limites
Mas se convencia
A atirar-se em seus braços
E o envolvia ardente
Se ontem
A poesia nasce e acontece
Hoje nem tudo o que escreve
Desfaz seus enganos
Mas enfim o convence
Que nenhum verso mais
Lhe pertence
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ROTINA
Todo dia recebo cartas
Dessas escritas à mão
Trazidas pelos correios
Entregues pelo carteiro
Em meu secreto endereço
Onde a caligrafia erra o compasso
Entre o grafado e o que o olho
Acha que leio
Dessas tão desenhadas
Que trazem notícias e revelam segredos
Em que a gente narra coragem
Omite os medos
Que traduzem fantasmas
Ansiedades
Paixão
Escritas em papel sem pautas
Bordadas de ternura
Perfumadas
Quem me escreve é a saudade
Mantenho-as guardadas
E guardadas estão
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A BELEZA
Estou convicto de que as flores
Olham-me fixamente nos olhos
Seus espíritos abandonam canteiros
Invadem minhas meninas
E passeiam pelas pupilas
Enovelam-se no invólucro da retina
Até que a emoção
Domina-me a alma
As flores ainda que impessoais
Determinam minha tola forma
De entender a beleza do olhar
E o teu olhar me fascina!
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MELODIA
Em volta da casa bege
Havia uma fortaleza na terra crua
De um tempo que jamais volta
Nada de asfalto nem calçada e cimento
No máximo um caminhamento
Aproveitado do levadiço das pedras
De musgo verde embrenhado nas gretas
Sem muro nem cerca nem sarjetas
Onde a poeira vermelha e fina ardia
Por todo lado havia jardins
E canteiros e mais canteiros de jasmins
Que floriam nossos olhos de areia
Por entre nós a infância e as horas
Corriam naquelas ruas abertas
Depois conosco dormiam cheirosas
E novamente voltavam despertas
Para nova sessão de cinema
Até que um dia
A estrela cansou de cantar
Como encerram atriz e cantor
Como terminam cena e melodia
Ainda ouço sua voz amena e macia
Quarando os panos da barbearia:
"Oh oh oh filme triste que me fez chorar"==============================================================================
DIÁLOGO ENTRE RAIMUNDO E JOSÉ
Saíste a passear sozinho no terno negro da noite
Encontrei-te cercado de anjos de branco e gravata vinho
Deitado no colo da morte entre folhas verdes de acácia
Pousado à sombra dos galhos sereno qual passarinho
Sorrindo igual ao menino que olhando a nuvem passar
Aguarda que ela volte trazendo notícias doces do mar
- Não fora a própria morte
Cerceando-te o semblante
Quem ousara te levar? –pergunta José a Raimundo
A morte é a derradeira parte a saber da nossa fé
Ela assusta quem não crê quem nada fez por deixar
Intimida por ser vã senil indiferente vilã
Avilta a vida da gente vilipendia por ser incerta
Desconserta arrebenta esfria
Depois damos conta que existe
Tão mágico quanto nascer é o gesto de não mais voltar
- Sabe a morte nada mais é
Senão o triste vestir
Do avesso do que nos cabe – pondera Raimundo a José
E assim seguiram levados
Falando José a Raimundo dizendo Raimundo a José
Deixando-nos chorosos calados
Sem muito ou nada a entender
Porém resignados porque a morte descansa quem morre
Ainda que nos faça sofrer
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EMOÇÕES
Jamais vi minha mãe chorar
Nem de tristeza nem de alegrias
Sabíamos que soluçava escondida
Como se escondendo emoções
Sofrer nos poupasse a vida
Às vezes não queria a noite
Às vezes rezava para o sol não vir
Por vezes desejava que ficássemos
Por outras sonhava ela em partir
Mas os seus olhos miúdos
Pouco dormiam fechados
Por medo de derramarem aguados
Os rios que ali dentro corriam
Ela ensinou-me a remoer calado
Os sentimentos da poesia
Mas os aboios diversos
Que se escancaram em cantorias
Estes são espelhos do meu pai
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NINHOS
Meu poema desavisado
Caiu nas graças do teu olhar
Num ímpeto balbuciado
Entre teus lábios se fez cantar
Depois de então aninhado
Aquietou-se nalgum lugar
Enquanto cisco saudades
Vasculhando velhos ninhos
Para que outros versos nasçam
O passado assa meu peito
Como se essa ausência tua
Sentasse nua ao meu lado
Nos tantos versos que faço
Se não perdurar sejam límpidos
E sob a graça da tua face
Minha arte imersa em bálsamo
Entardeça de luz teu olhar
Que este apaixonado poema
Depois de então declamado
Durma guardado no teu sonhar
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CALMO
Sou hoje cais quieto e calmo
À espera de barco para atracar
Mas já fui porto inconformado
Querendo ser barco e então zarpar
Singrar as ondas por entre as águas
Longe das margens ir navegar
Por entre as águas longe das margens
Onde o horizonte desprende o mar
E o mar revolto surpreende as pedras
E a névoa densa revela o cais
Hoje sou porto deserto e calmo
Esperando barco para abraçar
Mas já fui vento aventureiro
Enchendo as velas de algum veleiro
Fazendo a farra do timoneiro
Ventando livre sem preocupar
Velando cascos por sobre as águas
Desafiando sol e luar
Onde a saudade revela lágrima
De água salgada que enche o mar
E se hoje ainda me vejo margem
Braço de arrasto guia de cais
Logo não mais haverá viagem
Apenas vagas por sobre o mar========================================================================
BARULHOS
Ao contrário do que pareça
O grito vem dos silêncios
No anverso dos trovões
Qualquer estrondo para que zoe
E pulse no derredor
Ainda que às demandas pertença
Soe suas confidências
Será enganoso o pavor
Muitas vezes leio-te ao olhar
Sem nada entender dos teus olhos
Muitas vezes escrevo teus lábios
Sem nunca descrever os sussurros
Muitas vezes te escuto tão perto
Que não sei compreender teus apelos
Mesmo que me venham ácidos
Ou suaves como gostaria
Se o amor estivera inquieto
Busca-o na ilusão dos barulhos
E ame antes que acalmaria
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VERSERGIANDO
Aquele anjo santo que nos poda e apara
Que do ventre escuro nos arranca e separa
Ergueu-me nas alturas olhando minha cara
À espera de um susto grunhido do sopro
Mandou-me ordinário aprender a vida
Após a experiência do primeiro choro
Saí versejando atônito ávido mundo afora
Insólito caminheiro garimpando auroras
Sorrindo do destino no balançar das horas
Zombando displicente das farsas da morte
Menino esbaforido nas paixões da arte
Versergiando sonhos como faço agora
Eis que me vem o tempo sereno e sensato
A aquietar-me o ímpeto e reestudar meus danos
Debulhando a mente em detrimento a sorte
Pelo passar certeiro do vento dos anos
Recomenda ao anjo este apressado insano
- Esquiva este torto dos teus doidos planos!
Apiedado o anjo olha-me profano
Com as mãos repletas de sessenta outonos
Diz que irá pensar se vale a ousadia
Em dar-me mais um tempo a encantar meus dias
Que ao final das contas somarão aos sonhos
Que um poeta vive ao escrever poesias
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O QUE IMPORTA
Meu poema rodopia à tua volta
Feito vespa que cerceia víscera
Pousa versos nas tuas entranhas
Depois voa por estranhas vias
Meu vício oposto ao lado de fora
Mora no avesso da imagem aparente
Escondido no cerne visceral
Que jamais me questiona ou surpreende
Se resido em caverna distante
Trancafiado em quieta brandura
Ou jogado na inconsistente aventura
Revolto e tolo e todo sujo de poesia
Sem saber se sou destino final do fruto
Ou amargor de semente tardia
O que importa é que adocicados
Os meus versos voem à tua volta
Feito abelhas em porta de colmeia
Leem poemas em tua boca
E retornem plenos de magia
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TAMBOREIRO
Eis que inimigos disparam armas e bombas
Para ferir e matar nossos e seus
Outros entretanto batem tambores e ganzás
Para alegrar a vida e entreter-nos
Ora bombas e armas por vezes não ferem
Tanto quanto ressoam os sons dos bumbos
Quando estrondam tiros de emoções
Nos palcos corações dos mundos
Quanto ensandecem e máscaras caem
E os cantos nos impulsos invadem trincheiras
Entoam abrangentes e destroem muros
A música vence as guerras com seus ritmos
Quem se lança e balança e irrequieto dança
Faz nos sons da luta sua exalta valsa
Alcançada por motivos íntimos
Estilhaços que rechaçam ócio
A dor desdita tão torpe logo passa
A martelar tambores é preciso força
Amar para mirar baquetas laminar a pele
Mesmo que fuzis firam as mãos do tamboreiro
Importar-se com quem morra bailando e ouça
Ou então lascivo de contentamento se fira
Para apertar gatilhos no entanto
Basta propositalmente se armar de ódio
E extenuar a ira
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OCEANOS
Navegaria rebuscando sentimentos
Feito punhados de mim em cada um
Nos vastos oceanos dos argumentos
Costuraria consentidas formas de sentir
Consentiria emoções se misturarem ao sal
Até morreria ao remar se não souber dissuadir
Dissimularia pelos caminhos abruptos do mar
Onde se formam insanas vagas de partir ou voltar
Ciente que razões e palavras hão de advir
Empreenderia com os erros nas marés
Nos tantos e inconsequentes remansos no peito
Que me tornam menos entendedor de mim no revés
Mas o tempo me dá qualquer coisa de aprendiz
E reconforta reparador por quanto faz e diz a dor
Ainda antes do acerto da hora em que me for
Sei que irei apear nalgum cais desse mar revolto
Onde o litoral norteia com alguma luz de farol
Por isso não chora – qualquer hora volto!
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DUALIDADES
Se fogo e mar não se abraçassem nunca
Nunca haveria o divino dom de arder
Jamais a chama do enluarar seria mágico
Em vão seria cada entardecer
Para que manhãs se os dias não viessem
Rodopiando entre certezas e apelos
Afagando sonhos recompondo o corpo
Na insistência do tempo sem percebê-lo
Para que passado se não surgissem histórias
E nem descansada a memoria para novas vindas
Nem a doçura dos imponderáveis amores
Motivos tantos para os reencontros da vida
Para que sentidos se não sentíssemos leveza
E não pudéssemos palpar o coração um do outro
Nem provar das delícias da pureza
De um abraço amigo ou de um sorriso tolo
Quiçá não perdêssemos jamais a nudez da alma
Esta que permeia o verbo e ilumina a fronte
E possibilita alinhavar entre a fartura e a ausência
A branda veste que nos reveste de esperança
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ÓCIO
Há uma arvore sem galhas
Uma rosa sem pétalas
Pareço aqui na mordaça
Delirando sozinho
Enquanto passo o tempo
O vidro embaça
Com o nariz na vidraça
Meço assim em migalhas
Desistido do tempo da calma
Partido sem rumo buscando
Deitar-me do outro lado da cama
Hoje é domingo
Vejo você ali dormindo
Não pude te amar mais cedo
Apesar de perto
Ambos teremos tarde
Antes tivemos cedo
Há o auge da hora
Passado e futuro
Eu só creio no agora
Já não tenho medo
O desenho liso dá ao entorno da boca
A doce moldura do beijo aguardado
As alegrias por onde brotam solfejos
O dom dos sons mais puros da fala
O ar da vida que gargalha solto
A beleza leve que em si exalta
E a língua lambe o gosto da lágrima
Os lábios provam o sal do amargo
O rosto inteiro serena denso
Intensos laços se desamarram
Donde a língua entremeio tagarela farfalha
Perde-se nessa fornalha pudica e louca
A angústia do tempo na expressão das horas
De contentamento ou dor todo mundo chora
Ela não é audível aos tímpanos
Não fere martelos
Nem brota dos instrumentos
Não ruge nos diafragmas
Propaladas no sopro dos lábios
Nos dedos inquietos dançantes
Entre os hiatos cravados no momento
Bailando nos furos das flautas
Como pétalas em notas falsas
E por onde há fugas fogem espertas
Diluem formosas enquanto outras surgem
Entorno dos ritmos para que aflorem
Compomos sinfonias e canções
Entoamos somente o que nos encanta
Melodias insensatas decompostas
Floresce nas árias das razões e sai
E como loucamente não se toca
Nem permanece escrita em pautas
Vem dos silêncios do nada e calada esvai
Nem as andorinhas! Ambas tão precisas
Das palavras que não esvoacem sozinhas
Às vésperas do poeta reuni-las
E o céu é tão vasto tão vasto que o verso
Se não lido esmaece descabido
Do lado de fora do ninho
Na garganta da noite
Quando precede ao vinho
Exibe o amarroto que me toma de assalto
Adoro esse tato cúmplice entre a pele e a brisa
No frescor das sombras da casa vazia e aberta
Que desperta inteira em mim e nem me avisa
Da cama para a rede é questão de um salto
E deles desprendessem olhares tão mansos
Que me excita e efervesce a regência de estar só
E aninhassem no meu entorno todos os pássaros
Enxergando-me unicamente através dos sonhos
A beleza da alma que me alisa cada poro exposto
Os sais os cheiros o arrepio ligeiro que advém e esvai
As singelezas macias feitas de sinuosas ânsias
Abundâncias tão sublimes de silêncio enfeitadas
A leveza dos desejos borbulhantes na sede
Tomando de fome a plenitude dos meus atos
Como flanam minhas mãos à procura das tuas
Extraio além de toda essa deserta grandeza
A forma do que face a face enfim não aparece
Não - minhas ausências não me causam medos
E o que me ensimesma é o que me desfalece
Que traduzissem seus ditos pelo universo
Através dos insanos devaneios dos poetas
Pensamentos pretensos de formas bonitas
Inspirados a ouvidos atentos e a almas seletas
Lembranças saudade dos enamorados
Um simples passeio sob o claro da aurora
As pétalas caídas na tarde chuvosa
Um beijo na testa o olhar de relance
Apertos de mãos suspiros abraços
Coisas tolas assim qual a voz embargada
Seriam angelicais delícias feitas do nada
Na íntima flor dos nossos sonhos
A poesia não vem dos anjos
Eles apenas as guardam de forma delicada
Para que sejam sempre amadas
Torna-me lento e desorienta por qualquer dilema
A outra metade não diferente mas desatenta
Tola se dilacera sob forma de poema
Do lado oposto por onde pretenso passo
O vento me diz dos vestígios dos teus passos
Antes que as ondas debulhem teus rastros
Entre as correntezas brutas das marés altas
Longe de mim e por onde jamais alcanço
A brisa me traz teu cheiro e salga meus lábios
Meu desejo te acorda secretamente cedo
Nos pensamentos em que te imagino e beijo
Antes que o sol alcance os tenros raios de seu lume
Sorrateiro te procuro não te acho mas disfarço
Nem terá
Não é mera propriedade amar
Que por mais que se ame tanto
Nunca há de ser muito
Nem tampouco menos
O quanto necessário será
De quem pretende cuidar como fosse
Seu sua ou sei lá
Ah isso é parte do ser que se imagina dono
Mas que na verdade tolo
Pouco tem e nada além oferece
É a essência no outro sem abandonar a si
É indefinir-se para complementar
Esse dom tão soberano
Nem terá
Mas a maior propriedade é amar
Nas cinzas
O teu valor
Nem no produto que se compõe risível
No entorno das tuas razões
O valor que tu tens
Mora num lugar visível aos espíritos que te cercam
Longe dos bens passageiros
Para que não se percam
Na geleira das tuas inseguras mãos
Nem perpétua é a sabedoria
Que se converte na tua frágil figura
Lava de verdade a alma
Criatura
Não é só falta de tinta
Afinal hoje você foi repintada
Do vermelho sangue escorrido
Ao longo das margens da estrada
Não foi o excesso de rodas
Nem solas de sandálias pisadas
E sim o tempo que te expõe pelada
Invisível
Crua
Fria sobre o asfalto deitada
Esquecida
Abandonada
Como as demais desta cidade
Tende veloz piedade pois
Destas tantas faixas seminuas
Praticamente apagadas!
De sentir saudade tua
Talvez você até riria do que digo
Mas creio que assim também seria
Se acontecesse antes comigo
Trocamos livros discutindo literatura
Admirando ideias saudando os personagens
Que a janela dos sonhos nos impunha
Fotografamos a vida alheia dos corais
Como se estampássemos em revistas e jornais
As notícias que nas bancas depois você vendia
Apenas para demarcar a confiança que nos unia
É sobretudo simples profissão de fé
Assim me despeço
Até!
Nem retires as dores destas linhas
Segue com as tuas
Bem mais leves que as minhas
Surge perfeita na medida densa
Da magnitude de quem a sente
Quem se ilude ou pensa
Que a suporta ou divide
Dolorir-se entre o alívio e a pena
Que roubo tuas dores mesquinhas
Para torna-las amenas
Sobre teus ombros doídos
Certamente mais brandas
Quão as minhas
O entoar de um cântico que os anjos
Também desejariam cantar
Enquanto os dias seguem tantos
E os anos passam silenciosos à frente
Demarcando o tempo vivente
Toda vez que em nós aniversariam
Desejosos de que os sonhos sejam fartos
E a vida repleta e tanta
De amores máximos enquanto
O universo observa em burburinho
A mística arte que celebra
A sabida certeza do porvir
Para que o abraço além de súbito seja pleno
E a sorte que tanto beija a fronte
Continue infinda e serena
Dando-nos por realeza
A sábia beleza do privilégio de existir
Já não me importam as sentenças
Cozinhando palavras incabíveis
Embaralhando estrofes desconexas
Fazendo desfeitas entre as letras
Pelas cabeças
Que no espaço se ajeitam incólumes
Não entendia porque se desalentam
Desse jeito incerto
Quando a ideia torna o ágil diferente
Do sopro de realidade das cismas
Seriam os pensamentos imperfeitos
Os caminhos estreitos
Ou o que se decompôs transigente?
Se do poeta devem estar rindo à toa
Por seus indecifráveis poemas loucos
O livro poderá ser ainda mais doido
Se ao abri-lo existir um risco apenas
No entanto eu
Talvez morto
Como se os cômodos deixassem seus afazeres
E se aninhassem sobre as paredes debaixo das telhas
Para assistirem tua chegada depois de um dia ausente
O quarto aquece tua cama e o travesseiro
Da cozinha louças e talheres sobre a mesa acenam
Entre a fome intensa e o desejo do que vier primeiro
Desfazendo das roupas pelas pernas pelos braços
Livrando-se do que já lhe sucumbe ao cansaço
Que te abraça a alma perfuma e te acende anseios:
Perder-se em sonhos debaixo do chuveiro
Ele expõe tua beleza em nuvens alvas
Recobre de assomos transparências e nuanças
O que em ti arrepia e intensivamente pulsa
Como se estrelas e miçangas espalhasse
Realçando tua face e teus enlaces
Entrecortando as linhas das lisas alças
Da blusa que te avoluma o colo enfeita e veste
Mansas frágeis fáceis no teu espanto
Sustentando aos ombros entre as alças
Perdendo-se por entre as ancas
Despertando os ventos
Nos alvoroços das tuas andanças
Colore com nuvens ralas desejosas cinzas
O que estava calma te acelera os sonhos
E tu te assanhas inevitável feminina
Reveladas em tua morenice acesa de menina
Como fossem brasas em avermelhadas ânsias
E deu-se a penumbra
Porque advinha e vagarosa na excelsa hora
Veio a língua da noite ao esvair o dia
Da graça das bolhas que dançam nas pirambeiras
Na borda das garrafas que embalam os cachos
Que riem enquanto os olhos tremem e viajam
Como se as mãos segurassem pela base
As finas taças dos cristais curvos que no após silenciam
E de qualquer rua nos vinha o frescor das vinhas
Brilhando silhuetas entre as parreiras e a poesia
Da vivacidade das uvas desde a Cicília à Bahia
Do doce recheio da pele entre a carne e a semente
Do cheiro indecente da chuva que impõe acidez a terra
E me põe bobo e ébrio enquanto tua face acalma e gira
Nelas a minha alma fala esvoaça flana flutua
Nem sei beber sem brindar-te e à lua
Deixe que o sono te arrebanhe de realidades
Enquanto voa teu imaginário
Segue dormindo entre os teus cabelos soltos
No macio travesseiro que te apara a alma
Sobre a fronha branca dos desejos
Instigando as tuas vontades
Desta cantata que orquestra teu inconsciente
Ainda que acordada sonhes com o pressuposto
Supostamente estarão em ti todas as formas
Inclusive o que em ti deveras possa estar ausente
E ao lembrar-se do sonho que te ateve
Ria impetuosa no contentamento
De contar a quem te encontrar sorridente
O quanto prazeroso essa magia fora
Reescreve as inquietudes que te farfalham
E se alguma saudade te omite as vertentes
Mesmo que a teimosa realidade te silencie
Acorda e segue altiva sonhando vida afora
E adornados por altivos olhares
Viemos e houve abraços
Nas mãos e no silêncio entre as conversas
Ele apenas permanecera em desenho
Como perduram os laços
Que se refazem nos reencontros cruzados
Até percebêssemos estávamos prontos
Antes que fôssemos para algum lado
Que a brisa mistura os perfumes
Que os lábios unificam sabores
E as razões se perdem de amores
Sem importar-se por onde andamos
Para outros tantos que adviriam
E ríamos todos enquanto iam
Porque assim a vida é feita
Baila em teu entorno delicadamente
Sai à tua frente volátil enunciando teus passos
Reflui onde flutuam os pássaros
Caminha ao que teu pensar esvai
Brinda secreto aveludando as cores
Decifra-te a quem te ver passar
Ele se deita e faz de cama teu altar
Descola-se do teu colo em suavidades tantas
Íntimas cheirosas faces quando espalha pétalas
Pela pele entre o pelo e o poro a te arrepiar
Em rimas soltas porém nada santas
E o tempo louco roubando-te os cheiros
Guarda-te em tão frágeis frascos feito poemas
Tua poesia farta a me perfumar
Aguardava-a de garrafa aberta
Descalça na calçada da rua
Surgir na janela da esquina
Entre as melodias do vento
Voraz cheiro de maresia
Enquanto a maré insensata
Travessa revolta inconstante
Vazava e a seu tempo subia
Destes que suplicam por colo
Onde os raios fugidios
Estrondam e se jogam ao solo
Feito birrenta menina
Trinando por pura arredia
Em horas incertas das noites
Sedutora acesa ela vinha
Revestida de penumbra e sorte
Banhar-se inteira em meu vinho
Enquanto a cidade dormia
Sua voz será sempre um abrigo
Tombando de ansiedade e graça
Enluarada se deita comigo
O menino pergunta a seu mestre
A razão dessa alva espuma
Retrair-se quieta e serena
Sem dizer para a próxima vaga
Cuja onda virá zombeteira
Que ao lamber o lábio da orla
Sentirá na garganta e na língua
Um mesmo gosto de sal
Que não ouça as firulas do mar
Quando atira em ondas revoltas
Suas sobras sobre a areia indefesa
Das correntes que os ventos lhe movem
Da lua que suplicia as marés
Na ilusão de crescer e vazar
Deixa aquietarem-se as tuas águas
Segue e quando se ver lá do alto
Talvez poderás compreender
Que espumas ondas e vagas
Nada são senão as arestas do tempo
Empreendendo razões para amar
Zunindo mais abaixo enquanto o soluço passa
As línguas desinflamando no lamber dos dentes
Os lábios contem escapar os hálitos imprudentes
Ainda remoem e respingam e babam na grama verde
Porquanto quem dormia espreguiça e desamarra
As vozes ficam amenas no passar das horas
Mas a aurora traz de volta o perfume da democracia
Quem sabe a nação se torne mais país um dia
Por isso é que esse outro canto renovando entoa
Aquilo que o sonho de um novo tempo pede
Num dia comum de primavera
Quando vão ao mar todos os barcos
Enquanto deixa que a espuma enlace
Na bainha de suas vestes e alinhave
Porque sabe que a alva nuvem
Inveja de brandura a sua vestimenta
Em que branco ela vestisse um pigmento
Sem turvar de claro o transparente
Que cose o manto de seu vestido branco
E de onde o fio da fina linha lhe advém
Revoar seus brancos é despir meus panos
Como não houvesse mais cores nem ninguém
Eu roubava os jardins nas primaveras
E distribuía rosas e mais rosas ornando janelas
Olhando feliz as surpresas nos vitrais
Pelos outonos colhia tangerinas
Dos galhos arcados
Sobre os muros dos quintais
Que saboreavam cada uma delas
Entre invernos entremeio a temporais
Eu surrupiava as madrugadas dos ventos
E contemplava os silêncios com cantigas singelas
Consolando as invisíveis estrelas
Que me aqueciam em tão ímpares momentos
Tomava os raiozinhos do sol que das ruas restavam
E iluminava as calçadas de todas elas
Para que as formigas passassem em procissão
Entremeio às roupas estendidas nos varais
Entre tolices e manias faço versos pra te dar
De qualquer forma passo a vida a poemar
Ou gargalhe se preferir
E que teu sorriso tenha qualquer cor ímpar
Aliás que irradie todas elas de forma contumaz
E assim e sempre que pudermos ouvir
Em qualquer distância do mundo
O gostoso zunir nos lábios do teu riso talvez oculto
Nos poremos mudos a te imaginar sorrir
Um olhar disperso ou aflito buscando lógicas
Tua face disfarçando tristezas como fossem vultos
Sorri
Desvestirás a integridade dos nossos lábios
E parva e viandante te fartarás em si
E ainda que a voz mascare na remissão do sentir
Revelarás o sentido manso do quanto é puro e nobre
O singelo fato de então sorrir
Ainda assim fui rumando sem esboço
Como não fosse um paradoxo
Nem tivesse vindo do paraíso
Ou de alguma espécie de fosso
Presencio pelos cantos como posso
Caminho andarilho trôpego
Sobre o belo e o destroço
E se porventura tropeço
Contorno ou supero
Jamais esmoreço ao entrevero
Ou torno-me robusto
Desmancho ou evaporo
Adoeço e apavoro
Porque por mais que me saiba
Mais e mais me desconheço
Encontrar bons sentimentos
Entre razões transparentes
Por vezes a poesia é rude sagaz imprópria
E fere por não ser vil nem vilã
Nem conivente com quem a cria
Nessa eterna procura
Faz-se irmã de quem a lê
Refugia-se no âmago da mente
A poesia é a incerteza da arte
E dela fatalmente se cura e apropria
Palavras que refaçam sentido aos ouvidos delirantes
Que dos lábios surjam palavras
Poemas imprescindíveis aos corações amantes
Que das faces reluzam escritas
Versos vivos complacentes dentre olhares amigos
Que dos risos brotem versos
Escritas feitas do eterno fruto de vívidos instantes
Em detrimento à utopia
Outras avulsas óbvias de não terem acontecido
E algumas vazias que jamais puderam ter sido
Pois me enxergo na paisagem que atenta
Vem sendo repetida no vidro de um mesmo espelho
Que apesar de frágil não se torna velha
Mesmo sendo mínima ainda está intensa
Densa em face ao que se encontra lícita
Possível por assim ser cíclica ainda que arrebente
Perpetuará teu riso de menina
Que o incrível surge sempre do repente
Por isso amo o nulo e o reflexo das coisas tolas
Em se mantendo livre o pensamento aberto
Talvez seja o segredo de uma imagem boa
Quero um gole do teu beijo cor de uva crua
Ao molhar meus lábios no teu vinho puro
Terei sempre em mim teu olhar perplexo
Da certeza de que tua beleza perpetua
Jorra um rio e na sua beira arde a sarça
E ouve-se um estalar de fogo silente
E o cantar da agua que vai resiliente
Banhar quem sabe o que se passa
Que dali soa algum silencioso hino
Imprudente por seguir sem rumo
No pátio arcado sob a abóboda do tempo
O curso do vento ácido e líquido
Pressupõe-se manso porem assaz sábio
Para despojar dos falsos alaridos
Reconhecer nas sombras a luz do outro lado
Lapidando as mesmas pedras no caminho
De agua e fogo limpando nodoa e lodo
Das vestimentas da alma ante o inusitado
Das avarezas do espírito por ser tão frágil
A ponto de entender-se purificado
Usei de aventais e ostentei as joias
Portei as ferramentas mas não suei a blusa
Deixei que a correnteza apagasse as chamas
Hei de arejar de novo o meu próprio templo!
Os poros a carne os ossos
Fumo os afazeres secos escaldantes
Insuflo a umidade elegante dos ventos
Almoçar sem fome
Deixar de banho
Urinar contra a vontade
Fingir que descanso
Gozar sem alarde
Desregrar a rotina estafante
Desvencilhar dos costumes
E sumir com as necessidades e sentimentos
Estirar às vísceras as apimentadas aventuras
Apalpa aonde a veia pulsa
Conta por batida multiplicada
Cada pancada que ausculta
Estilhaços entupindo artérias
Fosse delicada sentiria os sussurros
Do sangue entremeio alvéolos
Discutindo brônquios
Consumindo as células
Irremediavelmente bêbadas
Largadas ao relento na areia
Ligando os tímpanos ao estetoscópio
Fraseando arranjos alveolares
Nos trastes de uma viola enrustida
Rendendo-se a melodia do tempo gasta
De tanto afinar as cordas da vida
Apalpa aonde a veia pulsa
Atento à batida replica
Cada pancada que perscruta
Cuja pele que recobre o corpo
É lona lisa úmida ao sereno
Prendendo artista e arte ante a pena
Pelos olhos do espetáculo rústico
Entre a dor e um delírio mútuo
Já não apalpa a veia não pulsa
Não há batida nem mais nada
A vida enfim fora expulsa
Às árias das flores e vinhos
Aos textos soberbos que sombreiam a alma e seus valores
Entre o sangue e os laços parentes
Por momentos da calma incontinente
Até mesmo pelas faltas da gente
Pelos corredores donde o espírito encanta
Pelas singelezas em que a saudade se esconde
Disfarçada a espreita achando a felicidade de ser
Consomem até derreter os arredores das horas
E se fazem de tão íntima grandeza
Belos caminhos aos nossos perenes olhares
Atentos olhos que reluzem
A fartura que espuma e escancara nos seres
Por isso vos amo às vezes
Laranja aveludada no horizonte
Por mim eu desinventava as demais fases
Deixava esta em que surge imensa
Transtornada em poema todos os dias
Sempre vi no meu quintal os mesmos passarinhos
Ciscando como bem conhecessem a rotina
De que o entorno do tempo envelhece
No contorno e às voltas dos caminhos
A vida inventa entre as certezas do dilema
Vou sozinho dançar a valsa da noite
Com o melhor dos companheiros
Como sábio bailarino da melhor das companhias
Eu consigo desenhar você e até posso descrever a lua
Mas não faço inverso
Pois afeto é algo como casca polpa e semente
Pura cumplicidade para que algo novo
Brote e de novo se reinvente sozinho
Também minha e sua
De hoje ontem ou de ninguém feito um verso
Octas do céu unem-se às suas nulidades sorrateiras
É como se os espíritos desprendessem da terra
E pairassem nas nuvens gélidas enciumando as estrelas
Pisa o profundo e deixa rastros nas veias
Profusamente passa de propósito e de encalço
Mas passeia tão leve como se nem adensasse
Peso algum sobre o cansaço do mundo
Apenas sobre nosso tempo e anseios
Presas por fivelas plásticas em fios de prata
Claras do ovo em neve da Antártida
Cores despidas das velas acesas
Tão ligeiras são as suas pernas
Tão névoas são as suas penas
Brancas e suaves também as suas meias
Nunca saberemos dos mistérios que a noite prescreve
Nem a quem de nós deixará vivo para as próximas feiras
É a convicção com que costumas
Olhar meu rosto quando olho-te
Leve qual folha de afeto que fita e voa
Enlace de fugidia bolha ao vento afoito
Nuvem que esvai sem rumo e endereço
Perder-se na paisagem cúmplice à toa
Achar que me fitas é fábula
Pensar que me enxergas - tolice
Desenhado em tua imagem
Adormeço
Aliás as vãs coisas que penso não me acham em si
Riem-se de maneira absurda e voraz
Tão assaz e intensas são as suas asneiras
Volúveis ideias simplórios ideais
Sentado na soleira da porta vendo o tempo passar
Sem me esquecer de amar
Que pudesse guardar dos perigos das horas
Os clarinhos da lua sem que fossem embora
Que voltariam amanhã para os olhos ainda úmidos
Os sorrisos de cada lágrima que chora
Que as palavras que dissesse
Cerceassem dúvidas por verdade e mentiras
Do coração tentando produzir poemas como quem retira
Da toalha da mesa e dos amarrotados lençóis
As manchas prensadas da solidão que atordoa
Deteriora quando a consciência me acorda
Apenas a teimosia perdura acometida da ilusão
De estar aprendendo a pensar poesia
Com olhares de poeta
Para sobreviver:
Da piedade dos ventos
Da bondade das chuvas
Da generosidade do tempo
Entre as raízes e as sementes
Na intimidade do ar
Do que antecede e o após a fartura
Da postura do sol e indisciplina das luas
Do cio das nuvens
Da gentileza dos rios
Da fertilidade e misericórdia da fome das feras
Do acaso da fauna e da flora no sono da terra
Tão pouco careceria o homem
Senão da própria consciência de ser
De algum jeito separado ao trivial
O lado da cama estarei ausente ao lençol
Um prato não mais virá farto à mesa
Nenhum olhar me será perceptível
Inclusive a sombra desistirá sozinha
Da minha clara fiel companhia
À ausência completa de algo que persistirá
Resistir entre o acaso e a certeza
De alguma saudade até qualquer forma
De um verso amorfo de poema
Dirá que nem tudo antes fora efêmero
Enquanto após seja dilema
Quão débil soçobre o poeta
Ainda deverá haver poesia
Sob as telhas no alto da cumeeira
Moravam cupins dormiam morcegos namoravam pardais
E sobre as lâmpadas que já nem acendiam mais
Mas ainda assim iluminaram gerações
Foram postas novas cores varridas as dores
Pintadas em demãos escondendo o passado
Avivando as conquistas e alegrias que ali existiram
Assistiu o tempo passar calado
Que entrara e saiu pelas portas e janelas
Dias e noites a fio
Onde donos e tudo o mais que ali fez morada
Espiara o tempo fora de lugar
Outras historias colossais como
As que vivera quando abrigava um lar
Que se desprendem das alças
Caem das arvores por ventos silenciosos
Quando esvoaçam no sono dos anjos
Ao derredor dos sonhos e nos nascem
Toda morte é a insensatez desfeita
Redesenhando-se em escolhas
Nem sempre aceitas
Outras vicejam raízes satisfeitas
Quanto ao corpo
É mínimo detalhe
Espontâneo e manso pela boca da noite
Era tão farto intenso e doce que o lábio que o lia
Achava merecia um cigarro e café
Entremeio aos versos tragando a bebida
Sorvia estrofes como se no amargo sonhasse
Sílabas acesas que no âmago sorria
E antevia em cinzas ardores a lhe arder
Num final de dia atordoar os sentidos
Bem sabeis das loucuras das tardes
Que se escondem nos lábios entre a língua e o dizer
Bem sabeis dos verbos pronomes sujeitos
Dos objetos singulares denominando quereres
Bem sabeis dos significados entre o intuito e a malícia
Das delícias e carícias das palavras moças
De quem delas atrevido te apossas por prazer
Insano por estar incompleto e ameno ao ser diverso
Enquanto o poeta declamava seu vinho sem saber
Pois não há o que se arrepender
Dos excessos inconstâncias e modos
Pois no amor se a consistência é fugaz
Todo o resto deixa de ser verdadeiro
Aprende que entre ambas manifesta-se
A sinergia que dá sentido ao que é bom
Que flutua e oscila entre um e outro coração
A fim de pôr essência ainda que a razão resista
Que importa se vem e vão mas compreendem
Que a única mácula do amor seria não ter amado!
O exercício de amar sem arrepender-se
- Não amar-se sim é sério pecado
Que se alça acima das nuvens
Sem sequer desprender-se da árvore
Onde fizera o ninho
E sabes bem voltar e pousar suave
Como repousam as horas feito borboletas
Beijando as rosas de mansinho
Solta na matreira paisagem
Ao sabor do ligeiro vento
Que toca teu corpo com arte
Serena teus olhos na tarde
Desperta a orla dos lábios
Esvoaça os cabelos soltos
Realça na blusa os mamilos
E danças impetuosamente
No instante da imagem
E me pões a perder sem ar
Meu poema te retrata e me arrasta
A também atrever voar
Nenhuma frase é tão efêmera
Ainda que a palavra do núcleo se perca
A gramática é um parto
Escrever é justamente o ato léxico
Do cumprimento extremo de um dom
Não levar-se a serio emudece
No exercício de pesar pausa e silêncio
Tudo fala além da língua que externa
Exala cálculos
Que não caiba num som
A cada vez que o sol nasce renasço
Mas toda manhã é um novo começo
E assim recomeço e refaço
Sou alvoroço de pássaro
Eu carrego nas costas
Um arcabouço louco e intenso
Imenso ato solitário de compositor
Imerso em acordes agarrados
A algum instrumento reverso
Que nem toco mas ouço
As tantas coisas que esqueço
E que reencontro em teus traços perfeitos
E se debruço deito e pouso
Os meus destroços em teus braços
É porque me aceitas e então renasço
O tempo não serve para definir meus espaços
Mas toda vez que o sol nasce te acho
Para que não perfure ou ame
Não faça loucura alguma
Não respingue nem cause
Tampouco estrague ou arda
O amorfo da sintaxe
A ponto de não ter sentido nem ser lido
Para que o risco não valesse?
Mas a culpa é da solidão que o nasce
E nem quis saber por que o faz fugir dos dedos
Existe no vácuo da pagina o coerente
Engolidor de versos feios cheios de falácias
Somente o que há são sentimentos
Segredos e audácias
Mas agora é tarde e danem-se os meus medos
De silêncio de pomar ao meio dia
Onde somente há o zunir de moscas azuis
E abelhas ocupadas em lamber frutas maduras
Semeando polens entre as flores
Levando cera pelas folhas
Misturando cores e cheiros ocultos
Dos frutos presos nos visgos e galhos
Alimentando pássaros e formigas cortadeiras
Se ocupe em descobrir
Porque a flor desprendeu-se da haste
Tombou sobre a mesa
E foi ao chão voar entre as cadeiras
Sob o céu arcado de estrelas
Ainda que sujo de nuvens e sol
À noite talvez se possa vê-las
E nos dá a certeza de que
Se não se pode colar certas extremidades
Tudo se refaz desde que se respeitem vontades
Os espaços se tornem lerdos lentos e longos
Difíceis e cadenciados e largados
Causem embaraços intransponíveis
Mesmo a um pássaro acostumado aos altos rumos
De velha ave desprendida do ninho
Mesmo tendo voado a qualquer risco
Ao menor trisco
Soe manso sob a impressão de arisco
Espero jamais em nenhum momento
Perder meu tempo de passarinho
Se trazes à tona
Amiúdes detalhes
Suaves
Miúdas vontades
Em singular artimanha
Destas que burlam internamente
E doem ou alegram até as vísceras
E perambulam entre uma ideia qualquer
E qualquer outra forma premente
Onde apenas a serena figura das gentilezas
Dome a doma dos sentimentos
Fogem-me as palavras ainda que amenas
- Fico sem argumentos
As flores da orquídea que lhe enviei
E rega cheia de ternura as pétalas macias
Às vezes examina as sépalas
Às vezes toca em torno dos labelos
E põe os bulbos tão perto dos lábios
Que o vento entrelaça pela haste esguia
E desfia com singela simetria
Tanto que embaraça nos rostelos
Os fios de trigo dos seus cabelos
Cada nuance de cor
E sente um cheiro de poema
Em pleno estado de poesia
Quando chegavam os santos dias
Ficava da janela olhando a procissão
Alguns levavam velas acesas nas mãos
Enquanto outros disputavam o andor
Cantavam
Mas o burburinho nem sempre era oração
Então não entendia bem os modos da minha gente
Nos outros dias comuns
Eu ficava observando as saúvas
Que imitavam os adultos com exímia precisão
Algumas carregavam folhas
Com tamanho ardor que pareciam adultos
Desfilando nos ombros os santos da cidade
Mas o chiado que faziam as formigas
E os rastros que deixavam pelo chão
Era a mais sagrada e sincera definição
De profusa religiosidade
Então bem ouvia Deus gargalhando de contente
A areia funda na fenda tonteia
A poeira moída e teimosa impregna pó
E se chove a lama coada vermelha
Afunda no contorno e debaixo da unha
Que chega a dar dó
Quando agiganta o passado
Engasga o nó seco e esbarra na garganta
Não há sequer lágrima que se contenha
Aquele mar doce no entorno da gente
Tem forma de lagoa de agua fria
Embebida e benta no amargo da jurubeba
Num quintal de casa num fruto de guavira
Onde nem marmanjo e nem menino se aguenta
Entremeio ao sol e aos temporais daqui
Aquilo por lá chega a ser ameno
Espinha profunda a saudade doída
Tão íntima que me mantém de pé
Mas me põe abrupto e pequeno
Não fosse a indelével poesia e a profunda fé
Brilhantes olhos d´agua me seguindo
Dentre as pedras onde nasciam
E feito enxurrada depois
No curso dos riachos sumiam
Talvez fosse eu
Quem não os acompanhasse de fato
E deixasse que se quebrassem
Nas quedas da cachoeira
E se perdessem no mato
Para ver se os esquecesse
Ou sentir se me esqueciam
Por onde agora andariam?
Dançam ao som de alguma inaudível valsa
Flanam soltas sobre as folhagens sob o arvoredo da praça
Tão leves que se engraçam com as cores das rosas
Tão puras causando inveja até mesmo aos pássaros
E às folhas e frutos amarelados entre os que se deitaram
Derrubados pelos ventos parvos jogados nas sarjetas às traças
Não houvesse motivos a vida talvez detivesse exíguo sentido
Não fosse o tempo perderíamos a significância da morte
Não fosse a morte não estaríamos semeando o privilégio da vida
Essa dádiva vívida que nos conforta a dor na esperança
De que prevaleça o amor sobre todas as crenças e graças
E ressuscite-nos dos medos dos fossos das desavenças
Da linguagem frívola que turva quem não queira entender
Que o mesmo mel e sal que temperam a terra brotam da lágrima
Que graça não é apenas o querer em poder te ter nos braços
Graça é poder te imaginar além no poder de um abraço
Para que nenhuma dor perdure mais do que necessite
Ensinar-nos de que quem resiste vive porque supera o fracasso
Que diversamente nos atraem
Ademais criamos os demais
Os quais nos fortalecem
Ou por vezes nos traem
Prendem tanto quanto os nós
E se desmancham se não bem apertados
Dificilmente desapropriam
Ambos os lados até saltam
Mas nem sempre repentinamente
Soltam se descuidados
E exprimem excelsa união das partes
Selam os valores ainda que inaptos
Pois que se opostos sobrepõem-se
Os lados quando se unem entrelaçam
Ou criamos ou refizemos se desmanchados
Mostram-nos que do cordão que viemos atados
Somente estes levaremos de volta
Para o outro lado
Certa ilusão de que nova paixão é utopia
Ainda que lhe venha o medo dos futuros dias
E já não tenha mais noção de felicidade ou melancolia
Nos dá a visão de que se é bucólico
Sofrer ou sorrir bastaria
Quem está na cobertura de um prédio
Sonha em colocar os pés na terra fria
Dualidades naquele dia em que não se quer pensar
Aquele dia em que não se quer sofrer
Mas não há um dia em que não pretenda amar
Creio na indulgência do amor permissivo
Daqueles sem tempestade
Que faça momentos parecer eternidade
E as distribuía contente
Para que no final das entregas
Houvesse alguma cumplicidade
Entre toda aquela gente
Vinham também desconhecidos
Párias e filhos de outras plagas
E sem necessidade de qualquer patente
Cada um tomava um país e suas rotas
Viajo rodando o meu mundo
Reencontrando patriotas
O manual de convivência entre os bons
Mas não consigo encontrar
O tom da canção que nalgum momento
Desafinando me fugiu das mãos
Amarrado a barbantes à garganta
Talvez no imbróglio da voz entrecortada
Sufocada pelo nó da bravata
Ensurdecida de lorotas
Que descuidei fiz inversas
E fiquei com medo de machucar
Ou a tentação repentina de amanhã
Adormecer ao invés de acordar
Acreditando que quando abertos melhor leria
A partitura como o todo da sinfônica
Sendo que ela é tocada por partes
Mesmo quando nada se pronuncia
No coral de nuvens esfumaçadas
Somente a calma sincronizará as voltas
Assim reaprendendo a modéstia
De repente consiga reencontrar as notas
E apesar da face recoberta
Exalava na janela dos olhos
Imensa poesia aberta
Dizia alguma história incerta
Sobre asas que voavam
A lugares que nem sabia
Que em si cabiam e não se davam
Ao acaso que recolhi teus vértices
E por eles apreendi meus versos
Inversamente do que previ
Mas que me fizeste vir de encontro
Vieste pedir uma palavra qualquer
Mal sabia que trazias um livro pronto
Busco coragem de encarar a imagem
Se pareço tão velho na idade
A quietude na verdade
Me põe bem mais jovem que mereço
Me enxergo ainda mais moço
A simetria é apenas passagem
De um reflexo impiedoso
Não foi ontem nem outrora
Hoje não se está disposto
Quem ardentemente peça
Pode nem ir tão cedo
A qualquer hora
Ou nem sonhe e nem queira
Mas não se iluda
Não será nunca
Retirando a sujeira jogada na praia
Rastelando retalhos de algas sargaços
Pedaços de plástico e madeira
Havia tralhas que não queriam ser desfeitas
Restos de tudo abandonado sem dó
Mas que serviam de alguma maneira
Limpo agora as saudades do coração
Rastreio palavras renasço esperanças
Voando no passado mil pensamentos
Ver fluir em versos tão doces lembranças
E ia confortando um a um com saciedade
Dava-se um breve período de intenso fastio
Levantavam-se e cada um a seu modo partia
Lavando copos panelas talheres pratos e cozinhando
E igualmente dava-se o mesmo abastamento
Levantavam-se e cada um a seu modo partia
Lavando copos panelas talheres pratos e cozinhando
Não canso eu em mergulhar
Meu poema no codinome do teu olhar
Leia entre o balanço que elas têm
Leia sobre as pedras e as espumas
Leia as entrelinhas que se reescrevem
Leia as letras da tábua rasa e cheia
Leia para que ao lê-las se revezem
Na superfície nas profundezas
Leia no tênue brilho das estrelas
Não canso eu em navegar
No raso rio do teu sonhar
Leia por rumos que se revezam
Leia mesmo que os olhos jamais alcancem
Leia para que se sintam cais
Leia quando o verbo não ventar mais
Leia enquanto há rumores de ventanias
Nas profundezas e superfícies
Leia sob a tênue luz de algum luar
Verte tuas águas densas por outras fontes
Deixa que te leia eu nos horizontes
Encerar no couro a raiz dos pelos
Mantra denso de fino aroma pelos dedos
Mexendo levemente a mente e o cerebelo
Como se tatuasse orquídeas pelo dorso afora
Passeando cínico pelo hemisfério do pescoço
Pudesse desvendar misteriosos sóis de aurora
Ainda que nunca tenha estado em tuas costas
Encontrar entre a vasta juba o mel das respostas
A perder-me na figura esguia entre as coxas
Enquanto finjo na esfinge rubra ver teu rosto
Se ouvir o íntimo será refúgio
Se enxergar o ilógico seja delírio
Se adivinhar o mágico cabem segredos
Se tiver gosto virá do incógnito
Se cheirar ávida haverá promessa
Se existir solfejo criará folias
Se encontrar abrigo será santuário
Caso haja lógica rirá da alegria
Se houver vazio sentirá repleta
Se buscar razões achará respostas
E se os sentidos se perdem no ar
Ou se a inconstância escorre na lágrima
Não deixa que a tristeza seja imã
Sê passarinho e apenas confia
Conecta tua alma à poesia
Apara o que transborda
Mesmo antes das bordas
Retira restos e arestas
Que evidentes restam
Das marras e amarras
Quando penso que farta carece
Se suficiente falta
Caso retenha extrapola
No desprezo consola
Perto do desespero ignora
Eu elogio ela farfalha
Tudo o que ajeito escangalha
Feito vento que espalha
As tormentas dos sentimentos
Pelos quatro cantos do peito
No descaso que se desgarra
Do terço do tempo que resta
Retratar-te na teimosia do verso
Sob a insensatez do poema
A poesia que em mim faz farra
Brilha intensa mas ninguém
A olho nu pode vê-la
Ainda que tenha o poder
De um incandescente farol
Ou a sinuosidade do pavio
Aceso na cera de uma vela
Para horizontes azuis
Para noites com auroras
Para as tardes de ocasos
Desafiando as esperas
De que novos sóis acendam
As sobras das estrelas
Apesar da rara beleza
Assombra por não ser vista
Apavora quem não tem fé
Intimida por ser infinita
E somente quem nela crê
Percebe o quanto é bonita
Que mora plena no mistério
Muito além da natureza
Muito aquém dos nossos olhos
Que se nos faz reconhecer frágeis
De tão insigne e mágica
Toma-nos por imortais
Por malditas ou não ditas a contento
Feito beira de unha que arranha e fere
Enquanto a polpa do dedo com suavidade
Reconecta a tempo a carícia da pele
Roça o dorso em face à coceira
Carinha o poro da farta canseira
Quando da ferida elimina a sujeira
Cicatrizando a aspereza da vida
O risco da unha talvez amenize
Ações detém o poder de inferir
Ou num só concurso fazer sarar
Nessa incrível dualidade dividida
De cada silaba em cada verbo e momento
Daquele dedo em riste com veneno
Da unha polida com exímia sedução
Do grito ou sussurro a seu modo e jeito
Coexistir ensina-nos a ser amenos
Perdoem-nos os fascínios exacerbados
Relevem-se a falta de domínio das paixões
Sejamos humanos - amemo-nos
Vive dos segredos que contém
E só o sabe quem os tem
O que as palavras não contam
Aos olhos nus o que dizem
Tornando-se mestre em esconder
Cada verso que arquiteta
Desaperceber que a luz
Dá-se na opacidade inversa
Poema e poeta se despem
Do que a paixão pensa
Irrealidade inverossímil
Que ambos subsistem
Em que não borbulharem poemas
Em minha fantasia
Roçam-se deliciosamente intensas
E por estarem pensas pelo cacho
Traduzem-se pelo facho da serpente
Roxas e quietas aguardam pacientes
Encantando soltas entre os talos
Que a boca as exploda entre os dentes
Se pele exalam na língua intenso perfume
Cabem-se da densa polpa ao macio sabor
Degustamos no vinho o suor das mãos
E perdemo-nos ébrios na doçura das uvas
Ligeiramente longa lisa e estreita
Onde o sol lentamente a tarde se deita
Falo da fenda recoberta por nuvens rosadas
Para onde convergem todos os voos
As trilhas avenidas olhares e estradas
Falo da fenda da pedra úmida
Que aberta espera o plantio da semente
E que pela fértil semente suplica
Falo da fenda da terra sonhada
Entre macias alças entreabertas
Despojadamente excitadas
Falo da fenda que fisga a fresta
Onde a inspiração vertente adentra
Na ranhura insigne do poeta
Falo da fenda por onde brota
A luz que emerge vida e brilha
Uma eternidade enquanto dura
Falo da fenda que o tempo perfura
Da fenda que perfuma a flor
Sobreposta no batente da janela
Falo da fenda de onde surge o vento
Abilolado informando que do outro lado
Fiquei maior tempo ausente
Despertei como alguém acorda do coma
Sem saber em qual momento está
Surgira uma casa de abelhas
Que três novas rosas haviam desabrochado
Que na parede do banheiro fez-se uma trinca
Que sobre o móvel da sala havia poeira
Apoiada sobre a pilastra
Cuja lateral abriga o jardim
E a estante estarem habituadas
À casa num mesmo lugar onde durmo
Nem teria notado
Eu continuarei dormindo
Até que não mais acorde e nem note
A areia da praia sente-se farta
Dos tantos pés descalços calcando-lhe o chão
Em que a areia da praia sente profunda solidão
E molha-se de saudade dos mesmos pés descalços
Cujas ondas apagaram as pegadas dos passos
Cravados nos grãos
Ao pisarmos, a areia acaricia suave os nossos pés
Depois se refaz plena
Nos carinhos profundos das marés
Deixo-as a quem pressentir que houvera arte no que compus
Outras três rimas a quem leu do que fiz
Três estrofes aos que souberem que escrevi
E três poemas àqueles que desejarem de algum modo
Entender que existi
Suplico que semeiem
Todos os versos escritos nas entrelinhas das minhas mãos
Debaixo do teu vestido
Mas se me dizes estar despida
Imagina-la vestida
Já não faz nenhum sentido
Rogar excentricidades
Cada qual com seu capricho
E mania e desvario
Devemos às singularidades
E o verbo rumina o dicionário
No meio da tarde
São menos falhas de incertezas e mais reais
Noites azuis trazem lâmpadas de fuscos pungentes
Mas não apagam o indizível apesar da cor maldar
As estrelas cintilam complacentes no derredor
Noites assim azulam as vozes incandescentes
E a solidão aplaca o peito que já nem quer chorar
Quando o breu abre a escotilha do navio do céu
E dali brota o farol do esplendor da lua cintilante
As noites assim são vivas cordilheiras brandas
Onde jorra abundante a poesia que o poeta sente
Fugaz qual pluma ao vento
Circundando em volta
Vagando num sutil espaço
Infindo do firmamento
De extrema lerdeza e lentidão
Absurda leveza da lâmina do lábio
Lambendo cada poro da pele
Transmudando o juízo
Majestoso e de tal forma singular
Que as palavras servidas na boca
Após esse instável anseio
Não sejam silenciadas jamais
Do jeito que o mar abraça um rio
E abrasa o doce sal das margens
Sorvendo o sabor das salivas
Quem te impulsiona seguir não é tua vontade
Quem te faz retornar não são as incertezas
Quem leva a permanecer não são convicções
E vontades tens tanto de ir quanto de ficar
Incertezas existem aos montes
E convicções às vezes não resistem
Estes sim são os verdadeiros donos das decisões
Os desejos são paralelos que pavimentam a alma
Porém tão intrínsecos que os mudamos de lugar
Ali seria o lugar perfeito para aprender amar
Na intenção de provar do sal do mar
Depois sorve o sabor de Itacimirim
Ainda molha os lábios em Mundaí
E tem sede de Taperapuan
Hoje rasteja as sujas águas
Num cortejo suplicando piedade
Outros podres choverão
E traçam as linhas rotas dos caminhos
Quando descalços imprimem rastros
Quando calçados demarcam caminhadas
Com saltos entrelaçam-se aos compassados passos
Quando saltitam balançam-nos sedutores os braços
Apressados sombreiam leves o corpo pelo espaço
Mesmo cansados sustentam-nos apenas
Quando calmos elevam além do solo
Quando alegres desfilam e dançam nos palcos
Quando choramos flanam emocionados
Se em êxtase comprimem as pernas
Quando relaxam entreabrem-nos os lábios
E ainda que em desavenças seguem-se calmos
Quando doloridos imploram descanso
Quando exigidos afloram os calos
Perseguidos tatuam sobressaltos
Saltitantes aprofundam as pegadas
Quando nos trazem é porque já nos levaram
E no ir e vir abundante as solas calejaram
Quando empoeirados relatam andanças
Se vestidos suam se nus resfriam pele e ossos
Quando inchados denunciam cansaços
E se parados ou novamente prontos a partir
Nossos pés seguem as linhas das estradas
Pouco importando se juntos repousam separados
Ser mais fácil ver lá de dentro
Entro e vejo como piora
A vista da borda deteriora
O que pensei ter visto de fora
Argumento de um novo jeito
Depois vejo de outra forma
Que muda a cada conceito
E a opinião deforma
Que a realidade verdadeira
Mora dentro de um espelho
Torno rala e feia a imagem
Que julgava ser tão bela
Torna bela a feia imagem
Que julgara ser tão rala
Tornas rara e bela a imagem
Que julguei ser rala e feia
O que meus olhos sentem
Ainda que não te veem
Circunda o velho barco
Emborca a canoa sobre o estrado
Examina a quilha da popa à proa
Remenda as velas
Veda as tábuas
Apara os estragos dos ventos
Das ondas brabas
Não são as águas
E sim a solidão e as mágoas
Presos às pilastras que sustentam a parede
Da casa em que vives as tuas doces horas
E moras e convives com teus sonhos acesos
Penduramos também nossos desejos
Deixa que deleite então contigo agora
Os sons murmurados da noite ardente
Os movimentos ritmados de vai-e-vem
E a gente durma plenamente satisfeitos
Sentindo o roçar da brisa em nossos pelos
Até que nus acordemos no advir da aurora
Rasga com a unha a folha dourada da espiga
Um a um surgirão grãos macios do trigo
Em processo da espera da maturação
Esmiúça
Mói
Esmói
Rumina
Tritura
Esfarinha
Sem intriga no coração
Depois partilha o pão da vida
Os avós contarem macabros degredos
Andávamos por escuros imaginando a dor
Revisitando imagens e apelando aos meus credos
Vencendo insanas guerras que submetem ao horror
Que me fazem comover tanto nestes tempos
Diferentes de quando irrequieto a astúcia sobrepunha
Os anos andaram minhas pernas por mundos intensos
Por onde partilhei confiança e recolhi meus medos
A observar o quão são frágeis os argumentos
Que põem à margem nossos dilemas
Somente prezo para que haja mais esperança
E prevaleça entre o meu e o seu mundo a paz
Próxima ao teu coração
Quando puder me regue com olhares
Molha-me com sorrisos de relances
Canções de apego que realcem
Sussurros de pensamentos bons
Conforto nas saudades
Desejos entre respingos de silêncio e sons
Ao tocar-me a maciez das pétalas
Será como pôr os lábios na flor
Da minha cor champanhe
Do meu caule marrom
Das minhas folhas verdes
Do vaso de veludo carmim
Que te despiu na hora incerta
Quando cheguei aos teus braços
No abraço do primeiro encontro
Vendo-te em meu novo jardim
E te porás sozinha a gargalhar de mim
Sob a calma vaga dos teus belos cílios
Entre íris e pupilas imerso e absorto
À beira da imensidão nítida dos teus olhos
Contemplando teus traços ainda que numa foto
É um privilégio poético para poucos
Ao tocarem nosso rosto com suave sopro
Ainda que num pensamento mais remoto
Apaixonam-nos tanto e de tal maneira nos encantam
Que divinos tornam-se também insanos
Esmorecem feito bichos aloprados feito loucos
Senão o retrato nítido da alma em transe
Clarividentes olhares entre pálpebras acesas
Dimensionando ao longe ainda que em sono
Durmam nalgum mundo dos sonhos da gente
Por humanos apaixonados tão ávidos deuses
Repleta da vertigem de quem ardente observa
Torno-me viandante astronauta da infinita mente
Enclausurado em meu nicho ardo resiliente
Recolher tua imagem e nela divisar tua fronte
É alimentar meu impreciso coração de poeta
Trazem os ouvidos surdos a quaisquer sons
Olhos rebaixados tentando ver as passadas
Além do rosco umbigo
Na altura de um ventre protuberante
Debaixo do queixo diante do chão
Talvez tua alma esteja morta
Nem mesmo a bala da arma que atinge
Qualquer figura intacta
Beirando a morte
Avante! brada o bravo comandante
Depois alguém despetalará flores
Em algum túmulo simbólico ornarão tuas dores
A ao menos um ignorado do front
Hão de lembrar-te
Por que caem?
Detonam
Retornam para esta mesma terra
Explodem
E estilhaçam os jardins de Deus
Em nome do inferno dos homens
Jogadas
Soerguidas
Aquém da vontade de quem as fizera
Além da maldade de quem as jogara
Ignora-se
Poucos sabem
Ninguem as espera
Caem
Caem
Ou invasão de um País encravado nalgum lugar do globo
Faz silêncio total de quem por si só
Evocaria e apregoa liberdade igualdade fraternidade
E outras tríades diversas - ainda que não fosse nesta mesma ordem
Não questiona
Ninguém faz uma nota de repúdio ao terror ao horror aos sofrimentos da terra
Não se comovem não se posicionam...
Continua tudo irrelevante como qualquer outro fim de carnaval
Quando a ressaca sobrepõe-se a toda e qualquer ideia
Ainda que mais tosca depois da folia
Aspiro todo o frescor da brisa
Então displicente respiro
Sinto teu hálito vívido pela sala
Teu cheiro a perfumar a noite
Ânsia minha que precisa imaginar-te
Teus lábios por uma nuvem
Tua voz em única frase
Que acolherei teu riso leve
Junto a qualquer bobagem que perpasse
Por um pensamento breve
Porque tudo de ti me inspira
E apesar desse atrevimento desconexo
Te revido mil poemas
De alguma forma dizendo
Da tua cumplicidade clara
Que ouvistes meu apelo
Películas
Pelancas
Em tudo há pele e casca
A capa da casa são paredes
Um muro o couro cabeludo delimitando o quintal
Somos sementes da fruta além da carne intacta
Em volta há pelos
Fina relva de erva doce e suor de sal
Leves formas de areia
Fazer buracos apesar das portas e janelas
Furar a veia
Buscar
Mesmo que dure o quanto sangre
E se saiba olhar no olho e ouvir
O que o amanhã tem a dizer
Até que o tempo pare de escorrer
Ainda que doa o tempo que durar
Rouba o silêncio do espírito
Enquanto extasia a alma
Arromba e silencia estranhos sentimentos
Atormenta as entranhas e aflora
Torna de si mesma companheira
De esconder-se entre a hora falsa e a derradeira
E retorna-me num feliz menino arteiro
Lambuzando as mãos na hora do recreio
A sentir saudades
Ainda que os olhos privem
Dá-se o merecido prazer
De enxergar o que está além
Da capacidade remota de ver
De superar o que esteve aquém
Da própria vontade
De quão bom e suave
É o querer bem
Remexia os teus cabelos
Esvoaçava teu vestido rosa
Perfumava-me em teu largo sorriso
Dessa flor que te põe cheirosa
Inundávamos os jardins soltos
De felicidade imensa e calmaria
Por tua voz suave e única viria
Embalar a tudo de amor constante
Sugaria destes úmidos instantes
Tudo o que faz ser singular
Submersos rios distantes
Represando o ardor do mar
Deito-me com meus poemas
Enamorando-te agora
A maciez da paina e a leveza da pena
A transparência do pano com frescor de relva
O raro brilho da joia e a candura de pétala
A sensação da polpa na aveludada pele
A consistência da lã a tudo o que apela
Ou se perca entre apelos de lisas paisagens
E absorva orvalhos e acolha olhares
E exale cheiros que se eternizem
Na ponta dos dedos por entre os vales
Revele segredos sob a renda fina
Sem desvendar mistérios nos fios da seda
Trançados na esteira de tendões macios
Por volúveis nós refilando senhas
Por suaves trilhas envolvendo a ambas
Linha e costura misturando as duas
Escondendo-se mas tornando acesas
Divinas histórias que se tornam nuas
Ávidas e vívidas paixões e certezas
Embrulhando a vida ou tornando nus
Os encantos em cada um dos nossos sonhos
Sobre dunas desertas entre céus e mares
Intensas ondas remontam a esfera
Revolvem tudo o que navega
À mercê do vento que apela às folhas e reverbera
Nos seus devaneios nos derredores
Águas sonham ser gelo
Neve pensa derreter-se
Ao não suportar o próprio apelo
Que o cálido sol leva-as ao desespero
O coração expulsa o ventre
Um tanto o sangue repulsa
Outra porção tripudia e pulsa entre
Porque se o tempo acaba as vísceras
O pensamento renasce e perpetua esperas
Esse não passa
E sinto que nas severas tempestades
Há o acalanto
Ainda que se vão os dias
Encerram-se em mim os anos
Natureza e eu resistimos
Ainda que breves continuamos
Páginas soltas amareladas
Gravuras turvas puídas
Manchadas de gordura e lágrimas
Folhas rasgadas da brochura
Orelhas e dobras refiladas
Onde a tinta das letras muito negras
Duvidavam que podiam ser lidas
Trazia nas entrelinhas
Além dos nossos cheiros
Raros rabiscos a caneta e lápis
- Telefones de vizinhos e outros parentes
- Contatos de onde pedir taxi e gás
- Do novo médico dos rins
- A senha do cartão da poupança
- Aniversários e endereços ilegíveis
Entremeado por receitas
Comprovantes bilhetes e papéis
Sendo consultado várias vezes
Sempre que o telefone tocasse
Ou no instante em que a saudade doía
Mas as lembranças seguiam vívidas
Como adereços livres
Gravadas naquele livro
Entenderias a pressa que existe em nascer seu verso
Poema não se faz vez em quando é copiosa promessa
Exercício de rotina da alma desigual dor repentina
Que explode no coração sem a qual não se completa
Bamboleia o corpo todo de um modo incongruente
Afeta a emoção sem noção brota do fruto da mente
Logo após aquietar-se no colo de quem o sente
Verias como ele morre de um amor tão perverso
Capaz de transforma-lo na vírgula mais íngreme
Que separa sua realidade das possibilidades previstas
Ao expor suas paixões sem mesmo que ninguém o sinta
E a um só tempo renascendo como a metamorfose dá-se
Intrínseca quando escreve reinventando-se no gozo
De sua própria poesia solta e só nalgum momento
Entenderias o poeta compondo seu próprio mundo
Desde que surgira o mundo e o verbo fizera
Insiste o artista em perpetuar sua arte
Ao contar em fatos tantos cantos diversos
Entre a lucidez e o sonho de uma conversa
Tornando em poema qualquer insana ideia
Acomodando no espírito um único verso
Recontaria o tempo imortalizando o texto
Vivendo aos berros sem um único grito
Dar-se-ia a junção da palavra à voz concreta
Quando a canção entender-se mais verdadeira
Incertos ao vento naufragando em mar alto
Outros sentimentos aforados tomam de assalto
Saborosos néctares de benfazejas chamas
Tão singelos diálogos que segredos componham:
Se insistem ao poeta em descrever tais encantos
Sussurram poemas que em silêncio te sonham
Mentindo-me que certo dia descansara
À sombra da criação feliz pela criatura
Tudo ainda é rústico princípio a se formar
Experimentando formas rudes de viver
Buscando a perfeição desse projeto de vida
Que se refaz e aprimora perpetuamente
Mas poupe das indecorosas fake News
Este tolo e débil aprendiz de poeta!
Circunda a tal felicidade
Seja entre espaços curados
Nas dimensões dos quintais
Seja nas asas dos pardais
Que voam livres pela cidade
Há nos moldes de vida
Entre propósitos e soluções
Orações que rogamos
E as intenções que se reza
Que o tempo ido ensinara
E permanece em busca e à espera
Dos diferentes conceitos
Que a escola da vida
Através das lições lhe provera
Nova oportunidade rara
Molha ao redor do olho por onde verte
Entre o musgo e o lodo verde
Sua alegria em brotar dentre as pedras
Empoça e ensopa e escorre ligeira pela mata
E mata a sede do mato que a espera
Porque em riacho denso se converte
Exceto que a deixem cumprir sua meta
De ao espreguiçar-se do seio da terra
As gotas respinguem afrescos onde alcancem
Quem generosa e densa nos gestos se enlaça
À vocação ainda que mínima quando abraça
As margens por onde seu curso segue
De ser feliz ainda que custe
O ardor maior da inconstância
Por aquietar-se para que outras gotas passem
Aquela que o oceano não aceita navegar
Porque pelo mar andam os navios
Que enfrentam as ondas robustas sem trincar
E dentro da canoa vão pessoas
E dentro do navio a multidão
Tantos iguais a mim que não sei nadar
Tantos iguais ao rio que não sabe do mar
Iguais ao navio que não cabe no rio
Iguais à canoa que não suporta o mar
Embarcado nas barrancas do riomar
Em veleiros atracados sem destino
Presos aos cordões umbilicais
Dos poderes dos navios sem cais
Das carrancas presas às canoas inseguras
Dentro de cada um há incríveis mundos
Rios e oceanos esquecidos e a explorar
Para que ninguém saiba ir nem regressar
Sem a plena certeza de haver partido
Provavelmente qualquer homem caiba
Na orelha de um elefante
Isto não significa que ele lhe dê ouvidos
Por não saber escutar
Teu jeito moleque de me atiçar sem noção
Mostra ao disfarce dos meus olhos ver-te
Tua íntima face totalmente desnuda
Esta ao alcance impossível da minha visão
Onde o sonho latente pede que veja
E com a boca molhada lamba e beije
Como a felicidade surpreende a risada
E o prazer momento a momento surpreende
Se a solidão infinita que apreende enseja
Feito um longo novelo de macia lã
Aficionado por tua alma pudica e aberta
Desejoso de um fio macio do teu pelo
E se ao menos distante ouvir meu apelo
Arrepia a nuca como apalpasse meu semblante
E deixa o luar te amar por mim como nunca
Três estrofes espalharam-se pela sala
Algumas rimas invadiram o teu quarto
De verso em verso deitaram tua cama
E algumas palavrinhas desnudaram-te
Sabias que o poema inteiro te queria
Ainda que estrofes ficassem pela sala
E que verso a verso deitariam tua cama
Algumas palavrinhas desnudariam-te
Deu-se a madrugada infinitamente exímia
Entre chão e teto explodindo em arte
Esperando que a noite jamais acabasse
Ainda que finalmente acordasse o dia
Nascendo aos poucos
Aprendemos aos poucos
A falar e a ouvir e observar
A amar e saborear o sentimento de ser amados
Aos poucos crescem as plantas
E os frutos para que não os apanhemos precoces
Em doses ou pacotes porções lotes
Pedaços blocos frações que se apropriam de nós
Paulatinamente se repetem
Preenchendo os vazios enraizados no tempo
É-nos ou não concedido
Definitivamente chega inteira
Ainda que nos leve aos poucos
E em seu tornozelo a barra resvala
Ou se o tecido macio seu seio ampara
Ou se ainda o pano suave no seu colo cola
- De onde advém a ânsia e a libido?
Explode de dentro do peito
Ou cinicamente vem de fora
Perturbar o juízo de quem enamora
- Induz ao desalinho ou ao vento atrevido?
Ou na cintura da saia - responde a brisa
Fugaz é o encontro entre a linha e a pele
Que acarinha e recobre e eriça o poro
E te põe infinitamente bela
De braços dados com a rara grandeza
Da brandura dos dias ainda não lidos
Todos os modos do destino à sorte
Ainda que ocultos permanecerão despidos
Mesmo sem nuvens nalgum momento
Por causa das sombras
Ignora-nos intransigente
Rodopia o dia inteiro
Por trás dos montes
E não enxerga a gente
Ainda que os meus te busquem
Muito mais mais muito faiscantes
A todo instante em pensamento!
Sem retas ou curvas
Nem pontes nem guard-rails
Onde carros e trens ficavam parados
Aviões às margens estacionados
A esperar por ninguém nos passeios
Estas sim entremeadas sucediam passageiras
E as viagens apressadas fizeram de nós
Nesta curta jornada
Meros passageiros
Bits de um mesmo ritmo, as pancadas fortes e os gritos por vezes argutos, por vezes mugidos, berrados, grunhidos, solavancam o tradicional silêncio pós-almoço de um dia de domingo que tanto almejamos e merecemos. Ou ecoam madrugada afora cortando o sono, interrompendo sonhos, maculando o breu da noite deste sessentão insone.
Passeia descalça
Displicente fazendo troça
Que morrerei da cócega
Caso seu veneno falso
Com arroubos de poemas
Metossoma, mesossoma e cabeça
Pelo frasco que a acolhe transigente
Onde o inseparável espírito coabita
Fartando-se de efemeridades e benesses
Entre deliciosos pecados e frutuosos sonhos
Sem preocupar-se da realidade evanescente,
Amarem-se mente e corpo mutuamente
Em revelar o bem olhando bem de frente
Nada assustaria, tudo surpreende
Nenhum ser seria um pote mal fechado
Nem vidro, nem lata, clone de produto rotulado
Seríamos todos incensos de essências
Fumaça que perfuma e refaz no ambiente
Mesmo que nos tranquemos para o mundo
E o mundo nas tortas voltas nos revolte
Somente quem preza o valor da amizade
Dá-se na condição divina de ser homem
Refaz na fusão humana a eternidade
Detém a capacidade de amar plenamente
Ainda que a intempérie se revele reticente
Saibamos ser fortes, donos do destino
Mestres e aprendizes, eternos meninos
Sentados à mesa deste farto banquete
Que nos serve a vida dispersa pelo tempo
Cada grau de graças sorvidos, vagarosamente
Estaria vendo teu rosto por inteiro
O sorriso verdadeiro escapulindo dos lábios
Junto às falas e frases em sons amenos
As maçãs rosadas debaixo do olhar matreiro
Entre as mechas douradas dos teus cabelos
Tocaríamos as mãos seladas entre os dedos
Pelas palmas suadas expelindo desejos
Abraçaríamos sem medo assegurando afagos
Como quem baila ao ritmo apressado
De um silêncio desmensurado
Estaremos cada um a seu modo em diversos lados
Talvez até sussurrando ainda apaixonados
Imaginando-nos amantes
Amados ou então ausentes
Do tempo apenas conhecemos o que veio antes
Do hoje é o que temos para ser vivido
Aos olhos vívidos dos apaixonados
Ainda que ridículos pareçam ser
Seus louvores seus pecados
Risíveis gestos inexplicáveis
As enamoradas inquietudes
Tornam-se efêmeras verdades
Que só o pensamento dirá eternas
Pois o tempo é uma brevidade
Do tamanho de qualquer frase
Que expresse ou reprima um sentimento
Cometidas em nome dos amores
Encontram-se também os sabores amados
É como se déssemos refúgio aos sonhos
Que extrapolaram as próprias voltas
E mais longe bem mais longe se acharam
Vivo das tolices expressadas nos poemas
E os meus poemas ainda que desritmados
Buscam tua alma ou os teus olhos apenas
Amorfo
Nada reflete
Nem há sombra
Mesmo que reluza
Assombra
Assusta
Sabe-se
O quanto custa
Sempre abominei as certezas
O tempo é afeito a surpresas
Nós as tornamos distantes
Soltas nas correntezas se vão
Ou por sorte sentimos por perto
O que por viés longe estavam
E enquanto o chuvão chovia
Não vi nenhum pássaro pela varanda
Cobiçando migalhas de pão
As formigas se ocultaram
Ninguém abriu as janelas
Também me ausentei da rua
Sabiás brincam nas poças e caçam-nos
Os vizinhos dobram as vidraças
Amarrando as cortinas nos raios da manhã
E eu de soslaio saio de acaso
Como saem os pensamentos
Sem saber se advirão
O tempo derrama surpresas
E abrasa ou moi fortalezas
Cada coração constrói seu edifício
Mesmo sabendo o quão difícil é
Alicerçar certezas nas ilusões
Danem-se as convicções
Cada uma de si companheira
Cinco companheiros irmanados
Fraternos caminheiros
Obreiros de uma vida inteira
Traçando passos certeiros
Cinco mentes sentinelas
Aclarando a viva egrégora
Despojados semeeiros
Evidenciando da luz a beleza
Lados coesos de um teorema
Fortificados pelo espirito
E objetivo que os conduz
Andejos do árido ocidente
Empreendendo nas ferramentas
Árduas lições da lua acesa
Junto à orla do oriente
Em cuja chama as traz escritas:
Para que o homem seja puro
O mundo um tanto mais justo
E a humanidade perfeita
Ficou na ponta dos pés
Esticou as mãos e simplesmente apanhou-a
Tão natural como quem se estica inteira
E rouba frutas maduras
Laranjas pêssegos mangas
Da vasta constelação de estrelas
Com propósito único
E ambas incandescentes na perfeição da esfera
Incontidas, fluorescentes, avivadas
Brilharam a noite inteira
Seminuas em minha mente
Explode da boca
Mas não se sabe
De onde ela nasce
Se do oculto fosso
Da ânsia do corpo
Ou do irreverente sopro
Que sai fazendo cócegas pelo esôfago
Que expulsa a agonia da alma
Por excesso de sede
Ou elegia à fome
No pântano danoso
Que destroça o pulmão
Sozinho tusso e me desmancho sonso
Qual um gozo zonzo de solidão
Que chego a ser esdrúxulo
Tanto esquisito quanto excêntrico
Extravagante por ser ridículo
Inverossímil coração,
Apaixonar se o juízo perder-se
Como desejasse um chocolate
O envelope pelo remetente
A árvore enamorada à semente
Um chute guiando a gol
A voz harmônica empostada
Teus olhos iluminados de azul
Como se em paz morressem
Por vezes acalanta o vexame
De estar egoisticamente amante
E nada mais permitir-se
Exceto a generosa certeza
De entender que seja possível
Interage com a irrealidade
Na solicitude do amor imprudente
- Vê quão voraz é a paixão!
As árvores agora mal convivem
Não resistem e secam e de solidão morrem
Ousa fazer ninho em seus galhos
Sem a vantagem do verde das folhas
Não sombreiam nem arrefecem não suportam
E foram morar na imagem de alguma tela
Pendurada na parede de papelão
Nalguma sala na invasão na favela
Ou apartamento de concreto longe do chão
Sem mudas nem flor nem fruto ou semente
Quando pediu notícias da terra
Este de pronto disse-lhe
Meu Deus rapaz como você mente
Das situações prementes
Não da voz da consciência
Nem dos ausentes momentos
Temo as ações cotidianas
Dessas que deliberam insanos
Que santificam demônios
Conjecturam ideias profanas
Idealizam absurdos
Ridicularizam as sarjetas
E posam de inocentes
Os meus dias teimosos porem decididos
Levam-me viajante ainda que sozinho
Seguindo rastros e largando pegadas
Para onde vais? - questiona o destino
Temeis o futuro? - indagam o risco e a sorte
Para o sul ou para o norte? - frisa o rumo
Peregrino semeio amigos não vãs amizades
Meu eu poeta é rude e nem sempre afável
A palavra despreza e incômoda incomoda
Mas se a poesia vive é isto o que vale
Faz do balanço um trapézio e flutua
Voando descalça e livre no espaço
Na esquina da noite sobre o chão de areia
O mar inveja o vento que a empurra
E ela vai pelos ares e por ali passeia
Entre as cordas num tapete de tábua
E se esguia na cara da noite balança
Sob os olhos das pedras na boca da praia
Dá-se o espetáculo ao sabor das ondas
E ela sai pelos ares e o mar desmaia
Se a felicidade a extasia e dela se apodera
Quem dera também no horizonte surgisse
A lua faceira iluminando essa noite
Balançasse cercada de uma via láctea inteira
Sussurrando à menina uma doce cantiga
E se sorrindo ao seu público ela o entretém
A natureza a enfeita e o tempo ensina
Que a arte ciúma do artista que não cumpre
A sina em crer o quanto à vida faz bem
Ser simples e quanto mais pura mais linda
Trouxeste a calma para minha ânsia
Qual flor que doa à brisa a essência
Da tarde que finda, e da alma se apossa
E torna sublime a presença
Chegaste infinitamente densa
Tornando a tempestade mansa
Mergulhada em onda imensa
Generosa, suave, infinita e serena
Desejando que o momento falasse
Estivemos solícitos perante o silêncio
Buscando que um verso nos descrevesse
- Deste lado eu abrupto aprendiz de poeta
- Daí, tua íntima poesia viva, completa
De que a piedade é das ações
A mais doce virtude humana
Do poema quando este nada diz
Pelo tempo perdido que os fiz
Quando deveria ter estado atento
Às inúmeras outras formas de provento
Ao ócio tão necessário ao descanso
Aos passeios ao teu lado que me opus
Pelas noites fugidias do sono pelos sonhos
E às conversas e embates que não tivemos
Instrumento arisco da palavra profana
Já não vivo sossegado sem o verso
Sem a estrofe e a ousadia da rima
Eclodida da cândida página inespecífica
Dentre as folhas abertas de um livro
O sol desmanchar-se lindo
E perguntava-me irrequieto
Para onde estaria indo
A imensa luz que explodindo
Caía ao findar do dia
A cada vez que se esvai e esconde
No encalço dos seus próprios giros
Sou eu quem está partindo
Sou eu quem está partindo
Sou eu quem está partindo
Doze homens puxavam a rede por longas barbas
Nada tiraram das aguas doces exceto folhas emaranhadas
Sobre as areias no leito do rio sujo e assoreado
Os amados irmãos entreolharam-se calados
Ninguém atrevia a dizer nada
Desfilamos atemporal o que passa e nos segue
Não perdemos jamais essas intensas manias
Das deliciosas folias provindas de emoções
Há quem ache exagero, diria eu romantismo
Há quem diga insano, chamaria ousadia
Considere imaturo, preferiria continuar tolo
A deixar de exalar um olhar atrevido ou tardio
A suprimir do sorriso a intenção de um beijo...
Exaltado nos versos e canções dos enamorados
Não fossem eternos os apaixonados sentimentos!
Imensidão deserta cujo andejo é pescador
Marujo navegante prático capitão
Aduaneiro cobro-me por versejar
Pelas velas do saveiro onde o leme é a solidão
Nada colho senão historias e aventuras
Professadas bem depois
Posso até desejar um mergulho teimoso
Mas ninguém precisa saber destes medos
Às vezes são essenciais quando presentes
O tempo que se descansa
Segredos que não se contam
Verdades amarrotadas
Deus quando em silêncio
Testando a paciência
Como fosse nossa última dança
Rabiscar futuro e destino
A resiliência da rês ante o abate
A solidão das estrelas no infinito
Ruas distantes cruzadas na infância
Lagos mergulhados cheios de dúvidas
Cada um carrega insuficiências no espírito
Tristonhas ou de ingênuas alegrias
Bem acima do conceito daquilo que é bonito
Quando o crivo dos teus olhos o aprova
Quando massageia os lábios e o sentes como beijo
Perpassa pela língua qual um doce desejo
Comove ou simplesmente quieto alenta
Quando lida falada ouvida ou cantada
Oscila entre a angústia e o inesperado
Vem em forma de versos como os segundos
A seu tempo transforma e a arte muda o mundo
E em si mesma complementa e completa
Ser poeta é mero instrumento
Traz-se para perto e entre os braços
A contemplação do amor diverso
E nesse aperto de enlaço
Te identificas e me reconheço
Como centros do universo
E nos abraçamos certos desses gestos
Cercar-nos contra o perverso
O despudor de quem descrê
De que a alma necessita encontro
E encontra-se quando acena
Transposta de sentimentos
Acalma absurdamente serena
É dádiva que sublima graça
E transcende espaços
O mundo é solto no firmamento
A terra é azul sob o sol
Todo o resto é encantamento
Negra ante o brilho da lua
A magia é encantamento
Árida ou molhada de chuva
Seu cheiro é encantamento
Recoberta de flor e floresta
Frutífera de encantamento
Fértil pelada ao vento
A poeira é encantamento
Sob tempestade adversa
Revolta de encantamento
Banhada por oceanos
Incólume de encantamento
Tomada por ordinários
Não deixa o encantamento
Plural universo entre nós
Encantamento paralelo
Por onde faz andança o amor
Assim nem desejo nem penso ou imagino
Quão dissabor traria viver sem paixões
Partilhar é propenso e constante princípio
Enquanto lágrimas molham as areias
Do coração feito ilha ou precipício
Por destemor ou sofrer perverso e intenso
Aposta teimoso no apogeu o que vivencio
Recorta em traços esse lado oposto do adeus
Ainda que persista em amar sozinho
De momentos
Épocas
Lugares
Pessoas
Quanto essa que me atravessa
De uma conversa boa
Como se passeasse os pés sobre molengas cordas
Equilibrasse e destemido avante fosse e as avessas
E até pulasse com pernas firmes as horas bambas
E em nada segurasse exceto nas bordas da esperança
Com receio de escorregar pelas lembranças
Cercado das feras e matas
Sou nativo da cidade
Onde o asfalto me rodeia
Jamais trocaria o conforto
Pelas nuas trilhas de areia
Cristalinas vidraças luminosas
Por paredes encharcadas de poeira
Sou o moderno ar da cobertura
Acima dos segredos das colinas
Não senti teu perfume
Vigiei as profundezas marinhas
Desenhei tua imagem
Escrevi poemas de nuvens
Não li as tuas mensagens
Tão rasa quanto as viagens
Que não empreendi
Encantado em meio aos versos
Divertindo-me com estrofes
E nutrir parcerias a tanta rima explícita
Cultivar frases distintas por ilusões
Jogar junto ao sonho diverso do fonema
Zarpando entremeio a retóricas e sofismas
Porventura me corte a garganta
Não fiz sobrar tempo vasto
Senão para as escritas:
Cada verso de poema
E nos assombram
Quando chegam
Perturbamos para enxergar o que ficou
Se alguma coisa restou no lugar
Sem vergar exaurir sem quebrar
E nos assombram
Quando passam
Convocamos até os risíveis laços
Para refazer os estragos
Remendar os trilhos que truncaram
Aos destroços dos descaminhos
Não podemos consertar sozinhos
Aquece o frio dessa laje
Como lápide ao sol
Quando o dia morno morre
Habitam em mim sensações diversas
E toalhas de paciência
Encharcam porque me secam
Os papeis das conversas
Vivo das delícias que me acercam
E são tantas que me torno um fardo
Farto de lembranças
Quase nada além do necessário
Compilei quão frágil a cegueira toma
De arrasto o tempo que não se pode ver
Sequer alguém além da redoma
E os anelos das cortinas
Sem sequer a razão da dúvida apropriar-se
Dos paradigmas quando se indaga
A verdadeira visão por respeitar
E amenas as causas por elas supostas
Mas não mais só sem respostas
A quem escreves filho meu?
A qualquer passageiro de amanhã
Tropece nas letras e arrebente as palavras
Ou nelas se enfurna e as remete a outrem
Escrevo agora sobre o papel disforme
Entre o homem e sua fome
Em nome da poesia
A quem não consome tempo em arte
Escravo da cegueira que lhe arde
Nunca sabe
Não viu nem lê
Antes que anoiteça e eu vá
Ou seja tarde
Porque as luzes do chão
Os sons das ruas me interrompem
E os passos que der estarem muito aquém
Que torna irreconhecível o meu entorno
Se a vida é verdade
Como sou improvável?
As mãos cansadas não produzem digitais
Despersonalizam ante o incerto
Como me suprimissem do espelho
Nem afirmativas de que ainda sou de verdade
Precisa um pouco mais ao demonstrar o que valho
De que gastei os meus dedos digitando versos
E as palavras que escrevi por mais que as leias
Não trazem o valor do desenho particular e íntimo da pele
No templo já velho onde habita esta minha alma
Ao inverso a esta altura
Restar vivo é falho
Nem por isso o lugar perde encanto
Se a contento não se vê iluminado
Claro seria a definição apenas de um lado
Pois a mente tende a refugar o lúgubre
Cremos que a presença do breu seria anormal
E não por inverso a plenitude
Sob o foco de um mesmo raio
Desleixa o coração que aclareia o opaco
Que jamais degenere o que age em secreto
Porque segredo é coragem e não apenas medo
Como se um mar volvesse meu íntimo
E os olhos lacrimassem pela face
Com a intensidade de um grito
Esse irresoluto coração é um quarto
Por estar vivo se diverte com a arte
Absorto intervive cada parte
Para que nunca me quede morto
Chego a ter calafrios de arrelia
Dá-me cócegas a tristeza
Acometido de alegria
Por qual labirinto afunila minha ira
Se quando calmo esqueço ter sido insano?
A raiva desmedida dilata a pupila
Remexe por dentro onde habita o profano
Homem desesperado à cata de Deus
Somente Ele é capaz de amansar-nos o humano
Junto às enigmáticas elucubrações
Tem piedade pois de mim que exagero
No apetite ante a gula da ofensa
Para que a voz da razão nos resguarde
E o ódio jamais vença nossas paixões
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GRAÇAS
Pensei todo dia plantar uma árvore
Pelas rodovias do meu Estado
Ao longo das estradas de meu Município
No largo das avenidas da minha Cidade
Ou nas ruas de minha Vila
Elas cresceriam floresceriam frutificariam enraizariam
Procriariam lagartas cigarras formigas
Atrairiam cupins
Porém são apenas glebas virtuais
Pensei começar pela estreita calçada
Mas se as planto fora de casa
Invadem os seus direitos e você acharia ruim
Desisti desse intento
Estes cabem em mim
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MISÉRIA
Sem luz a mata perde as cores
Não come
Não por falta de fome
Nem por falta de dinheiro que compre
Também não por carência de alimentos
Não come por estarem dormindo acometidos
Que os impedem de terem acesso à vida
De já não terem o paladar mais pela boca
Que não desperta mais a libido
Quando todos os manjares ausentes
Não fazem sentido além das vontades
Coibidas
E quando chega o sol
Ao pedir um prato de comida
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APESAR DE IMPERFEITO AO MENOS SER JUSTO
Um monte de gente feriu-se com a peste
Ainda restamos nós para contar a historia
Talvez sejamos a sobra da humanidade
Por algum motivo estarmos vivos agora
Mas não só da peste se escapa ou se morre
Diz-se que ninguém se vai antes da hora
Empreender esse estágio deve ser nossa meta
Há tanta gente no entanto sem dor e já morta
Debelada por dentro estirpada por fora
Que se ainda lhe sopra o santo verbo da vida
Em vão desse dom faz uso e de forma indevida
Cego usurpa escraviza ultraja maltrata
Se achando imortal desdenhando o destino
Ainda que exausto cabe um custo ao pedreiro
O de andar por inteiro a brigar por equidade
Abraçado à carência de quem pede uma esmola
E de dedo em riste combater peito aberto
Enfrentar poderosos e sempre verdadeiro
Apesar de imperfeito ao menos ser justo
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INVERSOS
Benedito Poceiro sempre dizia
'No buraco onde passo o dia
Busco agua para quem à flor da terra
Logo mais possa matar minha sede
Mas não a desperdice'
Uma vez uma lata com lama revolta
Caída da borda lhe partiu a cabeça
Foi-se o dito pelo não dito lá no fundo
Soterrado no fosso cumpriu a sentença
Houve menos agua gasta no mundo
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ENTRE A NOTÍCIA E O POEMA
No meio do quarto despiu-se por inteira
E já saiu do banho com a roupa de dormir
- Um florido e confortável pijama
De pernas e mangas bastante longas
Que apesar de folgadas ajustavam
À moldura ziguezagueada do seu corpo
Olhou pela ultima vez o celular:
UOL - "Dormir Nu Traz Mais Qualidade De Vida"
ESCRITAS.COM - "José - Poema de Carlos Drumond de Andrade"
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MINHA ESCRITORA
Essa menina nem sabe ler
Já põe o livro em seu instante
Estala as frases pagina as folhas
Rabisca as páginas com giz de cera
Reescrevendo à sua maneira
Novas histórias com outras letras
Nas prateleiras pela estante
Depois cansada deita serena
E faz com livros seu travesseiro
Cobre com as linhas as suas pernas
Colore as capas com os cabelos
Ilustra os contos de belos versos
E acorda rindo dos próprios sonhos
Minha menina nem sabe ler
Já ousa ser grande escritora
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BORDEJAR
Quão boa e nobre a sensação de circundar esse oceano
O sereno passear pelas bordas do teu lago intenso
Rudes ondas te escondem sob a saia de bons sonhos
E eu navego velejo tergiverso pairo sem querer voltar
Essa a arte verdadeira de bordejar sem pressa
E ao mesmo tempo apressado para alçar teus olhos
Ver-te precisa entre as ilhas da pele e as algas dos abrolhos
Dourados ao sol do norte ou ao vento minuano nos cabelos
Teu dorso é orla onde rola entre o pelo areia e sargaço
Abrigo e alimento da fragata de silhueta esguia
Essa arisca ave que guia meu mar escuro de ilusão
Quando alerta meu juízo das tempestades e marés
Quando vem quando passam quando advirão
Recolho-me à sensação de sentir toda a certeza
Dos rumos que as correntes irão singrar meu barco
Nalgum porto qualquer pelo teu corpo em viagem
Cuja miragem me distancia do cais e se apequena
E se eu perder-me em meio a essa correnteza
Salva-me com tua língua lambendo este poema
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MENINO
Quando a infância passa
Parece que o mundo acaba
Parece que passa o mundo
Quando a infância adolesce
Quando parece que o mundo acaba
Parece que a infância passa
O mundo parece que adoece
Quando a infância acaba
Quando a infância passa
O mundo parece que passa
A infância parece que acaba
O mundo parece que adolesce
O mundo adoece ou renasce
Quando passa a infância
Quando adolesce a velhice
Quando rejuvenesce a infância
Quando o adulto acaba menino
Quando o menino adolesce
E a gente envelhece?
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FINADOS
Quem passa no derredor dos túmulosCurioso lê os espaços resistidos
Entre uma data e outra
Sobre as lápides agravadas
Há quem tenha restado menos
No entanto todos experimentados
Os cúmulos da existência
Ao ter reaberto os olhos
Ao ater respirado o ar
Dito qualquer palavra
Ouvido além do silêncio soar
Quem passar pela minha cova
Sem ouvir mais nada da vida
Imóvel e sem falar
Como se nem estivesse ali
Como tantas vezes antes fiz
E ainda que haja dia ano e mês
Qualquer hora será tua vez
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COMUNIDADE
Há um dente meu doendoApiedo-me com a dor nele
Sofrendo eu por inteiro
Os demais dentes que ali convivem
E comigo a mesma dor dividem
Como acontece com as mãos
Todo o meu corpo desanda
Deveria ser assim entre irmãos
Ninguém estará bem também
Como os dentes convivem na boca
Dividimos num mesmo peito um só coração
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AQUELE QUE ABARCA O LOUCO
Genial aquele que abarca o louco
Quando a dor senil se desdobra
E lhe sobra parcimônia e tolerância
Para entender suas escolhas
Eu conheço apenas os insensatos
O resto que se descubram
Tadinho de quem lhes deve
Coitados de quem os cobram
Jamais tome emprestado outro dia
Achando que valha um tempo
A velha navalha raspa e apara
A aridez do pensamento
Sou discípulo do momento cego
Por isso me apego indecifrável
Aos apelos do conhecimento
À inefável sentença do fogo
Onde o ego atinge a cinza
Extirpa-se e a vida se apaga
Estoura a bolha da lucidez
Mas o amor jamais acaba
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O SUMIR DO SOL
Feliz daquele que observa ainda o sumir do solNa linha flamejante do horizonte
E que da mesma forma o torna aceso
Reluzente no aguardo das manhãs seguintes
Daquele que no interstício solar admira estrelas
Prevê de um botão aparecer uma nova flor
Feliz sou eu por ter no amor resguardadas
Para que as intempéries
Não demovam suas sólidas sapatas
Cujos pés e pernas os tornam fixas sentinelas
À espera de quem os visite ou more
Quem irá assistir das janelas
Quem deverá expulsar a treva acendendo as luzes
Expurgar os defeitos por dentro delas?
Adversa e alerta que se respeite o portão
Portal donde livres transeuntes são as ideias
Aguardando que amores e amigos venham
Habitem os sentimentos mais íntimos
E se espalhem seculares entrementes
Bem sabes que se moras no meu peito
Morro eu inquilino de contente
Mas temo que se soltem os ganchos
E rebelde ganhe os céus
Como saberei descer se tenho medo
Da altura da tua voz e do teu olhar?
Teu olhar seduz o que me vê
Ir parar nas nuvens
Nem com os ventos por elas seguir
Cuide para que não se destelhem
E não me elevem além da cobertura
Ainda há poemas a fazer
No entorno do fosso
Lenta a vida pulsa
Estivesse febril haveria repulsa
A morbidade expulsa a réstia de luz
E a morte avança avança
Pelos passos caminhados foram gastos
Quantos rolos de papel
Limpando o ânus por esses anos usei
Emendasse os cabelos pelas pontas
Em separado que distância os cortei
Fizesse as contas do volume mastigado
Quanto fora comido e devorado
Calculasse os olhares lançados
Distâncias alcançadas simplesmente admirando
Quanto foi suado quanto arrepiei
Quanto desejado quanto já gozei
Por todos os motivos chorados
Quanto de agua lavando a alma
O corpo e a mente sempre maculada
Quanto sono então dormido
Com sonhos ou sem que os lembrasse
Quanto de dinheiro amealhado
Quanto gasto quanto resta a receber
Quanto construí sem saber
Quantas unhas cortadas
Quanto sangue escorrido
Quantas palavras pronunciadas
Quantas precisaram engolidas
Quantos espirros quantos sorrisos
Quanto ar aspirado quanta bufa já soltei
Quantas verdades soltaram-se desatinadas
Quantos nomes já clamados
Quantos ainda chamarei
Tantas dores tantas máximas
Restarão ensimesmadas
Porem ainda morno
A vida por um sopro
A morte por um fio
Não levei voluntariamente um torrão à boca
Mas fui impelido ao chão de rasteira
Eu raspei no solo todo o corpo e a cara
Que teve para um mundo e meio
Inigualável sabor de tombo e chacota
Ouvia dizer que aquela terra era ruim
Pedregosa e tão poucamente aerada
De fato aonde a minha língua lambeu o lugar
Destes onde as santas putas parem exacerbadas
Filhos sem pais em estado aleatório e decrépito
Mas não era escarpada nem putrefata aquela terra
E o intenso cheiro de pelo ralo em molhada pele
Duvido que alguém possa governar um país
Ainda que nos arruínem e nos debulhem às feras
Sempre seremos pátria e nos soergueremos de novo
Quando o fardo flutua ou flana
Sobre o ombro de quem o leva
E essa brevidade aparente
Aparenta imortal e eterna para quem a vive
Ilude o sossego e acende a inveja
Contrapõe-se à paz que cada um almeja
Daquele que a suporta ainda que a meça
E se destroça e esforça para que a ela mereça
Apenas sigo carregando meu ônus
E confesso não tenho pressa
Cada dia distende ainda que seja domingo
Às vezes por causa da segunda antes encerra
Ou mais cedo inicia por suceder a um sábado
Se indispõem com a hora exata na fração dos segundos
Cedendo aos caprichos da preguiça ou vontades
Sair do caos tornar-se-ia a inexigibilidade galáctica
Poucos fariam para extirpar do perpétuo o escuro
O desconhecimento surreal de qualquer futuro
Não se preparam para o diferente do agora
Pouco importaria se deixará de ser reverso esse ciclo
Pudesse contar-lhes o dia enquanto o sol claro ressurge
E encerra-lo no prelo advir da noite verdadeira
Então essa ilógica contagem surreal de lá mudaria
Haveria um só gênesis e não mais genealogia
Seria transposta a era da disritmia à do retorno
Ninguém diferente seria do mar e das montanhas
Naquele planeta nem todo longe ou distante da terra
Seria como por aqui onde há bonança e a vida plena impera
Mas não se deve jamais intervir em outros mundos
Sob pena de perdermos por quase nada nossa paz interna
A mata não suja somente expele
O rio não suja às vezes inunda
O céu não suja apenas recobre
A terra que teimosa se renova
Onde o germe maledicente procria
E a mão da gente inconsequente mela
E nos põe constantemente à prova
Ante a crueldade que destroça
Pelo olhar dá-se o gosto do poema
Através dele se ouve os passos da poesia
E a paixão enxerga o menino que aceso arde
Na febre efervescente do dilema
Mas sim o sentido exato de encarar o mundo
Por nuances jamais porventura vistas
E as palavras proferidas são descritas
Nas placas espalhadas das esquinas
Se os olhares intercalam os percalços da cegueira
Queira ser o destino de cada um ou não queira
Sem conseguir esmaecer-se
Assim saíram a caminhar juntos
E trancafiaram-se ambos em profusa solidão
Por terceira via eclodiu o imprudente
Que inconteste os instigou a loucura completa
Um iludido se achar poeta
E da janela contemplava o quartel
Achava que patentes, inclusive a de capitão
Ostentavam mogno, cedro, mármore, aço, pedra-sabão
- Mas nenhum algo frágil,
Tipo pele, carne, vermelho sangue, osso e coração
Vendo o rei seminu agora envolto em fios e eletrodos
Olhando-se no espelho e vendo o quanto similares
Revestiu-se da ideia de também nalgum dia
Certo rio certo dia deixou de viajar
Cansou de invadir o mundo das barrancas
Perdeu-se nas próprias pedras e beiradas
Um senil pescador que nadara em seu fundo
Corriam saudosas no regalo do leito
E que naquele peito vida ainda haveria
Reuniu lá da vila todos os condenados
Despertou-lhes a fome da fartura de peixes
E os levou para a ponte já sem necessidade
Juntos simplesmente insanos sonharam
Assim conta-se que o rio voltou a rolar
Mas já não sei confirmar pois mudei de cidade
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FORA DE LUGAR
Bom seria contigo uma xícara de chá
Vinho brando champanhe ou terroir
Seria estranho não partilhar a bebida
A nossa frente sem compartilhar ideias
Deixar de silêncio ou ficar sem se olhar
Balbuciar doidices chamar o nome
Despretensiosamente confidenciar
Acho que o chá na taça e o vinho na xícara
Após tanta fala seria desnecessário cuidar
Das palavras ou algum nome fora de lugar
Valeria fechar os olhos para achar o sonho
Tornar-se vulnerável intruso confidente
Despretensioso endoidecer por amar
Estranho nem sem beber nem bem sonhar
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PACIENTE
Meu barco fazendo agua
Seria isto suficiente para um breve desespero
Sinal de alerta para qualquer jovem marujo
Ah o velho marinheiro continua seu curso
Remando paciente buscando o cais
Uma vez já mais perto que distante do porto
Essa a lição da maioridade
Desprender-se do casco ainda que erroneamente nade
Ir adiante mesmo que convalido definhando afunde
Pela certeza de chegar a qualquer ponto
À frente ou abaixo do esperado encontro
Há o acaso entre o azar e a sorte de haver partido
São assim as conquistas os amores os sonhos
As paixões que traspassam o turbilhão do tempo
Somos todos navegantes desse mar incerto
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TOLICE
Crio um parêntese no meu dia
Paro para olhar a chuva na porta aberta
Com o frescor do respingo teimoso na cara
O cair da agua chiando demora
Retorno ao poema salvo na tela
Quanta tolice comete o poeta
A poesia acontece ali fora
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VAGALUME
Vivo iludindo meus sonhos aclarando espíritos
Como faz o pirilampo que afugenta o escuro
Tornando-se fulgente entre abelhas e mosquitos
Encanto-me com singelezas acendendo ideias
Em pleno espalhamento da luz porem sem ser estrela
Ilumino a minha casa com o fulgor da própria asa
Com mínima e parca energia imanente das colmeias
Entretanto espia-se o brilho e pouco importa se ligeiro
Sinuoso esvai-se ao breu como escorre o tempo
No inconsequente entremeio existente entre as fendas
Por mais que se apertem os dedos o que importa é o legado
Mútuo entre mestre e aprendiz seguido por primeiro
Alguém ao aperceber-se talvez da ousadia do vagalume
Possa invejar ou julga-lo por seu lampejo fugaz
Ser de pura insensatez querer se almejar lanterna
De minha parte porem desejo unicamente que a luz
Independa de brilhar mas aclare áurea e alma
E fortaleça nosso ser tornando a vida mais bela
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OLIMPÍADA DO TEMPO
Tanta gente morre nessa olimpíada do tempo
Enquanto sigo eu narrando esse jogo
Assistindo ao espetáculo
Hesitado em ser adversário e autor
Ator de papeis de múltiplas novelas
Sou o cão absorto olhando o futuro
Estendido incompleto se vendo no espelho
Quarando os miolos num sol de primavera
Com as patas no chão e o peito arfando
Docemente esperando que alguém acorde
E caminhe ao meu lado por dentro e por fora
Pois minha ousadia no cotidiano
Sem sombra de dúvidas e por iniciativa
Esmurra o ócio e entreabre janelas
Somente assim se vai ao mundo
Eu conquisto cada minuto que me espera
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SEM GRAÇA
A praça
Oferece árvores flor e jardins
Passeio gramado e calçadas
Porém está deserta
O deserto
Acolhe pessoas carros e dunas
Vasta areia a céu descoberto
Porém sem jardins
O mundo é canteiro
Fértil de escolhas
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ACINTE
A loucura é possível acinte
Desconexo incidente intrínseco da mente
Daquilo que arrebenta a origem
Complexa mutante do todo
Transeunte sob a finita face reticente
Pressuposto acidente acontecendo e ocorrido
O horror escorre feito sangue
E traz o torpor por desdobramento pendente
Mordido e absorto pela dor
Espúria e contundente
Vivendo de modo aturdido
Eu louco advirto e previno-me incólume
Antes que a lucidez me raspe o juízo
E eu ache demente e sinta-me impune
Ante todo ser vivente
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NÃO CUSTA NADA
Estreita ou larga toda estrada
É saída ou entrada
Retorno ou partida
Nenhum transeunte
Tem de si idêntica jornada
Fosse repetir sua estada
Ainda que aparentemente
Seja a mesma viagem
Num único vagão
O amor e o ódio têm entre si
Igual caminhada
A vida não estaciona à margem
Da hora parada
Se o preço do apreço é um só
Tornar-se melhor
Não custa nada
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AINDA AGORA
Desde domingo reconto as horas
Enumero os anos
Domino o menino que foi embora
Embora ele venha a qualquer hora
E se valha do velho que existe agora
Se velho não seria ainda
Talvez antigo nos preceitos
Usual nos conceitos diria aprendiz
Generoso por inteiro e arteiro
Aquele que revalida a própria história
Não faço questão dos demais dias
Se desde domingo decanta o tempo
Que afunila e desprende a fagulha
Que ainda acende a vaidade de outrora
Mesmo que a validade da idade desentoa
Tem sentido ter duplo medo
Só não preciso alarde e espanto
Quanto custaram-me bons segredos
Advindos do que serviram antes
Aguardo-os que me valham ainda e agora
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NASCI
Não chorei porque nasci
Não senti o corte umbilical
Chorei somente no momento seguinte
Para que alimentassem a fome
Do tênue ar a carne que me trouxe aqui
A primeira lição foi respirar
As demais adquiri
Ademais sobrevivi
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QUE FIZERAM DE MIM AS ESTAÇÕES
Fria manhã de inverno
Lá fora a relva úmida
Exala interno sentimento
De que o âmago da vida
Resume-se a meras palavras escritas
Guiadas por pautas traçadas
Em branca folha de caderno
Iluminada tarde de primavera
Lá fora jorram cores
Por nuvens claras de cera
Onde os olhos reviram de amores
As promessas ilusórias
Descritas entre quintais e jardins
Em belas pétalas de flores
Quente noite de verão
Lá fora entre luzes acesas
Descansam as sobras do dia
Vertentes da escuridão
Digitais gravadas na mente
Prescritas fórmulas
Reverberando alegria
Soberba madrugada de outono
Lá fora dorme a natureza
Espremida entre silêncio e breu
Nem tão quente nem tão fria
Remando as barcas do tempo
Vagueiam sonhos tardios
Repletos de astucia e pureza
Que fizeram de mim as estações
Presas a tantas e todas que vivi
Uma parte da vida bem as senti
Outras me voaram por indícios
Sou eu ator partícipe destas cenas
Ainda que as traga em círculos
Recompostas de lembranças
Se sorri ao ouvir gritos
Ou gritei ao me ver sorrir
Misturei meus labirintos
Transpus máximas e os venci
É porque observei lá fora
Que o passado está aqui dentro
E o futuro efeito incerto do agora
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ENTRE VEDAS E MUDRAS
Ela alça suas dobras
Com seus passes de yoga
Flexiona as belas pernas
Recolhe os braços de antenas
Mobiliza as nuas costas
Massageia id e ego
Com mantras de Om Namah Shivaya
Apensa entre exercícios
Sorri silencia sua escolha
De infinita criatura
Como navegante insinua
Após transpor precipícios
Tão volúvel pousaria
Nas entranhas do Himalaia
Passa a língua entre os dentes
Imóvel nem gesticula
Apenas pensa-se e fecunda
Inteiro estado de graça
Desvenda as nodas e traços
Entre vedas e mudras
Orvalha encharca se molha
Pudesse eu entender se
Quando o êxtase passa
Se deusa intensa humaniza
Ou mais sábia resiste
Transmuta o sonho em espelho
Contemplando-se pudica
Delicia afeita em malícia
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APARÊNCIAS
Na beira do campo entre a gramaHá uma singela flor amarela
Num frágil talo verde sem prumo
Que a ostenta pouco acima da relva
Enquanto a mansa brisa perpassa por entre as ramas
E verga suas pétalas num balanço suave
Como a alma estendesse o próprio corpo sobre a cama
Garoto olha atento
Foi apenas o pouso maroto
De uma gaiata borboleta
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AH MARIA!
Se a visse outra vez do meu lado passar amaria a fumaça
Se a visse de mim desprender-se amaria as centelhas
Se a visse de algum ponto partir amaria as fagulhas
Se a visse na curva dos olhos sumir amaria as saudades
Se a ouvisse novamente voltar lhe seria dormentes
Se a ouvisse surgir lhe amaria os brilhos
Se a ouvisse então retornar amaria seus sinos
Se a ouvisse chegar nesse horário te acolhia nos braços
Amaria embarcar na primavera e por todas as plataformas
Deslizante entre os vidros a poeira e o vento nas janelas
Passageiro que sou das emoções rotineiras
Encravadas no banhado sertão das estações pantaneiras
O fogo e o vapor em sua imensa caldeira
O rugir das roldanas no aço dos trilhos
Chiando longínquas ou no meu travesseiro
Vislumbres da idade seguindo trilhas boiadeiras
Amaria seu cheiro de estrada de ferro e madeira
Amaria o arrasto das pegadas nos vagões de areia
A deserta incansável ausência de ilusões que se foram
Apelos do coração de paixões verdadeiras
Enfim vieste de viagem soberana vestida de estrelas
Que extasiado brindo eu à vida feliz por revê-la
Ah
Maria Maria atravessará o tempo que lhe é pertinente
Enquanto eu num repente cá estou de passagem
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HORIZONTES
Nasci entre caudalosas lagoas de rios
Por cujas beiras de areia crescera a cidade
Mas eu na contramão das aguas
Deixei de aprender a nadar
Mal molhava os pés
Já antevia possibilidades de afogamento ao lacrimejar
Chorando assim embainhava cismas e medos
Recomendados por meus pais
O fim daqueles dias também morria todas as tardes
Abrasado entre as correntezas
Mas subitamente emergia na oposta margem das manhãs
Eu não entendia aquele fascínio caprichoso do sol
E como jurara viver para teimosamente revê-lo surgir
Sentia vontades mas acovardado com ele eu não fora jamais
Agora distante daquelas doces aguas e na borda do mar
Espero sozinho o sol trazer-me os mesmos brilhos de outrora
Pois sei que ele ainda se perde naquelas aguas distantes daqui
Não mais choro nem de medo nem saudades
Pois descobri os significados de ocaso e aurora
Idêntico ao sol que intransigente pra dormir
Cruza resoluto e aclara a pequenez dos meus sonhos
Ante a imensidão do meu país
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ACASOS
Por fechar os olhos
Vislumbrei os meus sentimentos
Até então eu não os tinha nem claros nem livres
Foi no fixo breu dos olhos fechados
Que se tornaram iluminados
Libertos por estarem soltos
E de mim tão pertos quanto breves
Que os achei redescobertos pelo rosto
Fechar os olhos deveria ser tão contínuo
Quanto mantê-los despertos
Afinal é quando nos redesenhamos mórbidos
Que o encantado estado das coisas
Revela-nos como somos
Então a morte seria a profilaxia do acordado
Ou a esdrúxula condição do sono?
Metade de mim é essa arte que se reverte e desperta
Todo o resto é a outra parte
Que recobre de acasos meus atos
O portal do tempo é o parto
Encontrei razões de não estar sozinho
Sozinhas minhas mãos não iriam por teus pelos
Não fosse o sentido de fazer carinho
Descobri o bom gosto do arrepio da pele
Sozinho jamais estaria suando os poros
No roçar dos lábios úmidos que o desejo impele
Permitistes vir de intensas viagens
Mapear sensações preparando gozos
Próprio de quem envereda por tenras paragens
Enamorados sentimentos de amor e ternura
Nenhuma razão haveria não fossem pensantes
Os segredos íntimos arrítmicos de toda criatura
São doces cantigas embalando andantes
Passeemos separados porém virtualmente
Vimo-nos amando-nos, sentimo-nos amantes
Cabe à generosidade e consciência
De cada ser e oportunidades
Aquilo que nos alimenta agora
Igualmente deveria dar-nos fome de Deus
Como faz o vinhateiro com o néctar de suas uvas
E se não saem a contento elemento e contexto
Aguarda paciente o tempo moldar os seus erros
Ele cura a acidez dos vinhos e a turbidez das bebidas
Cicatriza a flacidez das vinhas e açoda seus frutos
Propicia o prazer da colheita como faz um beijo
Onde as palavras adormecem ébrias nos lábios
Cínicas sedutoras sedentas e loucas de desejos
Em cujos vasos efervescem espírito e almas
Onde cada palavra decanta seus significados
E se mantém características aos sabores da terra
Ao palato das raízes revolvendo os solos
À pureza das campinas verdejando os elos
Apreendendo sentido à verve sorvendo a safra
Servida ao surreal inaudível som do espaço
Transbordando floridas eras da colheita à taça
Como faz o vinhateiro escolhendo as jarras
Lendo títulos rótulos descrevendo aromas
Degustando ervas raras combinando espécimes
Tanta poesia vivos sonhos íntimos ideais
No entanto perdem-se nas sarjetas e estradas
Quando uma nobre bebida na garrafa é quebrada
Quando as mãos cruelmente mantém escondidos
Os livros de um poeta com suas páginas fechadas
Sobre ásperas tábuas e aramados
Ele encontrou-se sozinho estirado
Como se nunca tivesse amado jamais
E somente às vezes doeram-lhe
Tais indesejáveis enroscos e tantas esperas
Vivenciou idênticas desconfianças e alegrias
Percebeu que nem tudo fora a seu tempo
Encomendado pelo inócuo coração já cansado
Nem inoportuno outras possíveis reversões
Aprendeu entretanto que amar é necessário
Tanto quanto livremente passear o pensamento
Conclui sua jornada à sombra das sobras
Intimamente chamadas ilusões
Sonetos esquisitos para ninar mosquitos
Zunindo em volta das luzes feito insetos
Morando sob imundas lápides e porões
Justamente onde adormecem insensatos
Que se julgam mais humanos porque podem
Esse poder aparente e podre de aparatos
Sonetos que exaltam a voz do povo
Limando quaisquer restos de inconsciências
Unindo-se à dor de injustiçados
Riem fartos das tuas inconsequências
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ONTEM, HOJE, QUASE TODO DIA
Passeamos pela praça da saudade
Rememoramos passado e utopia
Que fomentam os sonhos fartos da poesia
Num fechar de olhos se viaja
E a qualquer próprio momento interaja
Com o presente que num instante já findou
E nesse rio de caudalosas e profundas águas
Sentimentos de que sempre se repetirão
Outros atos de satisfação ou duras mágoas
Misto de penas, desejo e gratidão
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PEDREIROS POETAS
Tanto que por vezes incomoda-me a poesia
Poderia estar gozando de outras formas de prazer
E justamente estar lendo o que alguém outro escreveria
Mas quando isso acontece eu me despeço da leitura
Some do meu derredor todo o concreto da existência
Entrego à minha mão o verbo que a mente ordena
Então vou construindo palavra a palavra os seus anexos
Depois edifica casas absorto no suor do rico ofício
Quando se vê encontram-se ambas lapidadas, concluídas
Feitas de magia, sonhos, barro, sintaxes e raros versos
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UM MESMO SONO
As minhas mãos tem luvas
Assim posso tocar despreocupado
Em tuas feridas
Os meus ouvidos estão vedados
Então não ouço os teus apelos
Teus gemidos de dor não apiedam-me
Entre um curativo e outro
Tomo sorvete
E você faz qualquer prece
De cansaço o dia escurece
E nós dois dormimos um mesmo sono
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OS MEUS PROBLEMAS
Sentado aqui no macio conforto da sala
Sou vitrine para as nuvens calmas
Que passam e me olham de soslaio
Também para um coqueiro carregado
Que aproveita o vento e balança altivo seus cachos
E ri da minha sede pois sabe que lá não subo
Por vezes voa algum apressado pássaro
Levando insetos no bico ou no papo
Ignorando que existo como ele do vagar
Permaneço abstrato tomado na preguiça
Ciscando palavras no terreno do alfabeto
Enquanto as acho para mais alguns poemas
Nada mais passa pela minha janela fechada ou aberta
Senão a natureza de cada coisa verdadeira ou falsa
E o tempo impiedoso desprendendo meus problemas
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EU ABUSO DE CERTAS CORES
Eu abuso de certas cores
Do vermelho por exemplo
Sangro-lhe pelas veias
Eu não acho feio que o mundo de ocre me tinja
Mas odeio um mínimo corte no dedo
Assim pensam os parvos sobre as necessidades:
Desde que não me atinja o medo
Pouco importa se a peleja quebrou-se a vidraça
Pois me vejo na farsa do espelho
Oh ruas sem saídas destas nossas soturnas cidades
Vigiai para que não perambulem por elas
Nenhum coitado sem graça sem remédio sem paga
Depois o conforto se areja
Mais logo quem sabe esteja
Nos braços do descanso quem deseja
Ouvir a lucidez do silêncio
Enquanto prosperar qualquer forma de inveja
O amor nos console o choro pelo encanto
PRIMEIRO DE MAIO DE DOIS MIL E VINTE E UM, e escuto gente dizendo que estamos definitivamente mergulhados na era digital e no tão propalado home office.
Que a pandemia em definitivo ensinou a todos, principalmente brasileiros, essa nova modalidade laboral. Trabalha-se à distância.
Sim, ninguém mais precisa sair de casa, cumprir horários, enfrentar trânsito, submeter-se a longos percursos utilizando os próprios veículos ou o transporte público. Que ampliou e permitiu um maior e melhor convívio familiar, pois pais e mães não se deslocam mais para as suas empresas, e por conseguinte, filhos estudam online; e isso permite interação ampla e irrestrita, reaprendendo a todos o quão saudável, necessário e gostoso é o convívio diário entre cônjuge e a prole.
É, a impressão que tenho é a de que quem assim pensa e age ou está gozando de um privilégio sobrenatural ou não está enxergando um palmo da realidade diante do nariz, e se está, tá tirando onda com a cara do povo.
Se a massa diuturnamente não sair pra rua para cumprir no mínimo 44 horas de jornada de trabalho semanal, perdão, mas quem irá lavar suas roupas, fazer seu almoço, colocar o bico da bomba de gasolina na boca do tanque do seu carro, entregar seu delivery, tirar o leite da sua vaca, obturar os dentes de seus filhos, trocar a lâmpada queimada do poste, recolher os enormes sacos com o lixo que você produz e larga ali fora do portão do seu quintal?
Estamos vivendo uma fome quase que sem precedentes. Uma desigualdade social inimaginável, um desgoverno epidemiológico sem fim.
Esse Primeiro de Maio tem muito mais que 24 horas. Tem a duração da falta de trabalho, a extensão das dores da alma, o comprimento do buraco na barriga e a insignificância de mais um boleto vencido sem condições de ser pago.
Haverá home office enquanto houver quem sustente com as próprias mãos e salgado suor, o tráfego que mantém plugados os gigabytes de sua internet.
Se não é trabalho será falso, senão ócio.
Notícias: o homem perde o paladar
Não se sente mais cheiro algum
Cegos seguem por corredores sem fim
Eu caminho surdo a tais pressões
Dos odores dos segundos e das cores
Ainda que haja muros e escuro esteja
Procuro nos espaços que possuo
Tudo o que essa visão me entrega
Assim encontro precioso sentido
E o mundo a mim jamais se nega
Procura
Sempre poderá haver um encontro
Eternos buscadores sem asas
Ainda que em desencantos
A vida é essa valsa sobre as ondas
Esse balanço submerso
Pois perto de ti
Sempre poderá haver uma espera
À tua procura
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DIACHO DE FOME
Diacho de fome que arde no bucho
Que rebaixa o bicho
Que o torna insano como qualquer homem
Um pária sem pátria sem rumo e sem nome
E vice-versa
É fome de verso diversa sujeita
O peito lhe aperta por estar na sarjeta
Sem voz e sem teto sem afeto e sem graça
Não importasse praça quintal ou casa
Nem absurda conversa
O mundo separa-nos entre o farto e a falta
E a alma se despe do corpo se mata
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BARBAS DE MOLHO
Certas coisas nos cegam tão de repente que quando abrimos os olhos ficamos pensando: como não as vi! Sim, tem situações inusitadas ou repetitivas que sempre nos pegam de surpresa. Quando alcei um ano após minha primeira metade de século de vida, prometi a mim mesmo que a partir dali não assustaria com mais nada. Venho tentando fazer isso já há dez anos, mas por mais autocontrole que se tenha, há por vezes (e muitas vezes, por sinal), algum espanto na curva. Prova de que estamos sendo submetidos constantemente a novos aprendizados. O desconhecido deve ter para todos, o significado de novos conhecimentos adquiridos. O inusitado precisa, portanto andar de mãos dadas com a nova realidade, sendo que essa nova realidade necessita de constante esforço para tornar-se parte do cotidiano.
Filosofices a parte, acontece que me considerava tranquilo, tomando os cuidados básicos de fuga da covid-19, com a finalidade de me preservar para preservar os que com os quais convivo e me cercam dia a dia. E assim driblando a rotina, um dia após meu aniversário levei satisfeito e cantante, meu braço nu de encontro a ponta de uma agulha que me faria a gentil fineza de introduzir em meu organismo a primeira dose da Oxford.
Agora estou aqui leso, dolorido, enjoado, e o pior de tudo, fingindo vender saúde para não preocupar quem me cerca.
Mas os sintomas são leves ante ao que vejo noticiar sobre as mazelas que essa pandemia provoca a cada fração de segundo por todo o mundo. Então, não é motivo de queixas ou reclames o que venho agora fazendo, mas sim, um nítido exame de consciência.
Primeiro, não sei no que isso vai dar e como irá acabar. Se isento e imune dos malefícios do sars-cov-2 ou pego pelo rabo (braço) e ao invés de inoculado, agente e distribuidor desse desgraçado vírus. Não sei se me isolo ou continuo a fingir até que esses sintomas sumam ou me debilitem por vez. Que estranha sensação de impotência total. E nem foi na curva do caminho, foi na retilínea estrada com total visibilidade e previsibilidade de sucesso.
Antes que os olhos apaguem por vez, pois nem estou conseguindo mirar mais a branca tela do computador, registro esse susto que nem sei onde irá ser publicado, para que não desperte qualquer preocupação em quem me ler.
Aguardo
agora a segunda dose, que daqui há três meses virá. Depois disso tudo, espero
poder sorrir do tropeço e dar risadas contigo comentando estas linhas. Porém, se der zica, não chore por mim!
Fui.
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MINHA VIDA
Semana passada resolvi fazer o registro de um novo e-mail, pois o que uso por bom tempo, ao longo dos dias foi sendo invadido por um turbilhão de mensagens de conteúdos estranhos, cuja caixa de spam já nem consegue mais absorver ou distinguir quem é quem nessa jogada multilíngue da virtualidade moderna. Culpa minha, certamente, que andei descuidado ao deixar portas abertas para os sites espiões fartarem-se com seus famigerados motores. Acontece que acabamos vinculando ao endereço eletrônico principal, celular, computador, e as contas das redes sociais. Assim, qualquer curiosidade que nosso permanente consumismo resolve pesquisar na internet, segundos depois dezenas de ofertas sobre determinados produtos ou serviços são despejadas na caixa de entrada e permanecem ali ramificadas e debulhadas em tantas outras mais similares.
Mas enfim, já estou usando um novo e-mail, e esse ainda limpinho e desvinculado dos principais avaros portais. E não se preocupem, pois o antigo faz automaticamente um redirecionamento das mensagens autenticadas, o que não me fará perder o contato de ninguém que me tem escrito, e deverá me manter a salvo, por enquanto, dessa disputada guerra invasora.
O que me chamou a atenção, no entanto, e quero fazer notar aqui pra vocês, foi justamente o momento de fazer o cadastro com os dados pessoais para obter a nova inscrição de e-mail. No campo Nascimento, coloquei obviamente onze, depois abril, sendo que no item Ano, marcava no automático, 2021. Então fui rapidamente retroagindo o calendário há algumas décadas para trás. Uma, duas, três décadas... quatro, cinco, seis: 11/04/1960! Achei legal isso.
Então ao invés de avançar para o próximo campo do formulário, resolvi brincar um pouco com os meus bem vividos anos. Desta vez fiz ao contrário: 70, 80, 90, 00, 10, 20...
E de novo: 21, 10, 00, 90, 80,70, 60 - onde tudo começou.
Não aguentei, fui para o Word, e dei o seguinte título ao documento:
MINHA VIDA
- 1960 -
- 1970 -
- 1980 -
- 1990 -
- 2000 -
- 2010 -
- 2020 -
Certa vez li uma declaração que o diretor teatral Aderbal Freire-Filho fizera à Folha em 2008. Ele confidenciava que tinha o hábito de anotar coincidências numa agenda, na esperança de desvendar o mistério da vida.
Bem, posso concluir que não tive nem tenho essa ousada pretensão de Aderbal. Mas, após esse doce exercício que me custou bons momentos de recordação mnemônica, de uma certeza não abro mão em declarar e confessar a quem interessar possa:
- Eu existo. Meu Deus, como sou feliz!!!
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O HÁBITO DA ESCRITA
Eu me preparo para escrever algo novo, como quem arruma as malas para a próxima viagem. Às vezes uso um simples lápis meio sem ponta, por vezes alguma caneta falha, e na maioria delas o laptop, cujo sistema operacional normalmente trava. Sem contar que de repente, lápis, caneta e computador estejam funcionando e intactos, mas cadê papel para rabiscar a palavra ou tela para acompanhar diante dos olhos cada caractere digitado. Digo isso com o objetivo de confidenciar o sofrimento que é encontrar as ferramentas certas para fluir assunto e inspiração diariamente. Haja ansiedade!
Sempre tive esse mesmo problema ao saber que devia sair de casa para um passeio ou nova viagem qualquer. O que levar, para quantos dias, como estará o tempo, quem irá comigo ou encontrarei, e o que fazer.
Essa expectativa é quem sempre remexe as emoções. Porem depois que se ganha estrada e velocidade, o traslado se torna felicidade, e aí é aproveitar o deleite e toda a magia que a escrita impõe. Porque após quilômetros, parágrafos ou estrofes e frases, reler e dar-se à leitura é a mais prazerosa das conquistas. Veja você, então, como nascem os textos, por mais simples que venham a ser, mas na mais pura das vontades e intenções.
Quando ainda criança, o maior conforto que recebia antes da partida, eram os olhos de minha mãe vigiando as minhas tralhas. Seu olhar me acompanhava por todo o trajeto. Aquelas pupilas cabiam certas cuidadosamente dentro das minhas malas, e preenchiam todos os cantinhos. E até hoje tem o peso exato do que minhas forças suportam carregar.
Por isso sempre achei oportuno e necessário fazer de cada parágrafo uma necessidade particular. Assim, tanto estou pronto para um novo destino como para outra redação, desde que me permita voar.
Foi assim que conheci o mundo e passei a criar as minhas próprias historias. E é assim que arranco de mim as mais doces emoções que a arte propicia, sem sequer sair do lugar.
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QUADRO DE CHEGADAS
Dero-Dero desceu da velha bicicleta e atravessou o enorme corredor, depois subiu os trinta e três degraus até o ultimo patamar da íngreme escada, onde havia preso na parede lateral, um incrível painel aceso. Como fosse num moderno aeroporto, anunciava-se ali, porém em absoluto silêncio, o quadro de chegadas. Dado a pandemia, os nomes se sucediam muito rapidamente, exigindo literalmente um sobrenatural esforço do leitor para decifrar e entender a relação dos neófitos a serem iniciados naquela Ordem do Dia.
Ficou ali recostado por um longo tempo com os olhos pregados naquela fria tv. Apesar de serem letras garrafais, exigia muita concentração e paciência, mas era o único modo de confirmar - como se diz em bom português - 'quem vem lá!'.
Na verdade, quem viu primeiro o nome dele, foi Vavá, que casualmente por ali passava, que contou pra Mosquito, que informou aos demais. Mas como já subiu com certa fama de exagerado, ninguém lhe deu muita atenção. Acharam todos que estivesse zoando.
- Imagina se ele virá tão cedo, vocês estão de brincadeira - argumentou Estrela - Ele irá almoçar antes da partida.
Heraldo até se preocupou, mas no fundo também não deu muito crédito, achando que fosse léro de Etelvá.
Assim, como era tradição e sempre acontecia, disputaram na purrinha quem devia conferir finalmente a veracidade daquela informação.
Ah, não deu outra, sobrou para Aderaldo. E estava ele ali naquele momento, na incumbência de certificar-se de que realmente ele faria parte da leva dos Aprendizes daquele dia.
Havia almas de todos os lados, dos mais respeitados, distantes e incríveis Orientes. A relação de nomes não estava em ordem alfabética, mas sim era exibida por horário de chegada.
A lista fora montada por um consorcio de Lojas que recolhia os dados cadastrais dos espíritos, e fazia a divulgação, para que os demais obreiros tivessem noção de quem viria. Haviam sim recebido a confirmação da possível chegada, porém não era definida ali na mensagem, a hora e o dia. Alguns resistem mais, outros chegam até mesmo a antecipar - aí virava correria. O fato é que o fim da viagem pudesse acontecer naquela Sessão, antes do meio dia. E para isso alguém precisava ficar de olho no telão. E, diga-se de passagem: era exibida a hora exata da chegada. Uns, mais pecadores, sempre demoravam mais em trânsito, no curso da viagem. A dele, no entanto e como previsto, foi num zás.
- E não é que Vavá estava certo! - pensou Dero-Dero ao ver prevista e confirmada a chegada daquele irmão, cujo nome já aparecia na tela.
Saiu apressado, praticamente correndo pela longa escada. Atravessou de volta o imenso 'corredor de anúncio da morte'. Não, desculpe, 'corredor de chegada para a nova vida'. Da morte seria para os que ficamos ainda mais um tempo por cá.
Alcançou o incansável Zé Mosquito que jamais parava de caminhar pelas calçadas das nuvens, e ofegante, tornou a apear da surrada bike:
- Sim Zé, chega hoje mesmo, daqui a pouco, antes do almoço. Tomara que para o ágape tenha moqueca! - completou num largo sorriso...
E na hora exata de uma quinta-feira destas - coincidentemente, dia de reunião na FUPS - aqueles valorosos Mestres reunidos - Aderaldo, Heraldo, Estrela, Parracho, Pedro Faria, Etelvá, Oscarzinho, Zéquitoki, João da Sunga, Joselito Vieira, Manoel Carneiro, Zelito Lima e Bertinho - todos devidamente paramentados, recebiam mais um eterno aprendiz - Tonhão - na porta do Oriente Eterno, do lado interno do Céu, e o conduziram escoltado enfim, ao Altar dos Juramentos, sob as barbas de Arão, aos braços do SADU, para descansar de sua feliz e bem sucedida jornada na Terra.
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CANÇÃO DA GENEROSIDADE
Embriagai-vos de generosidadePois é chegada a hora de serdes abundantemente fraternos
Mas de uma fraternidade clara, translúcida
Quando alvorece a complacência
Doar aflora todas as definições de humanidade
E nos tornamos luminosos e iluminados
Fartai-vos dessa singela alegria
Afinal ainda é manhã e a hora propicia
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CAMINHOS
Moro tão fora do mundoQue a madrugada me traduz nos carinhos da arrebentação
Depois quando nasce a luz na leveza do dia
Quanta certeza teria eu para estar aqui
Mas sou inconstante como plumas ao vento
E voo pelo mar afoito sem qualquer apego
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ESPELHO
Vãs tentativas desconexas
Fizeram o planeta sentir a perversidade
De tanta gente errônea desenformar a terra
Agora de conversa em conversa
Mas o homem reflete essa desestrutura
E se enquadra e depara sem argumentos
Com a própria cara fora do espelho
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O CASCO DESSE NAVIO
QuiseraQue a mesma vela que nos levará para outra quimera
Navegasse sob a intensa luz de um só pavio
Esperando derreter a cera sob um sol de primavera
Imerso nas aguas de qualquer um lago
Ainda que seguidas vezes diluídos em rios
Ao invés de consumirmos em cinzas nossos pedaços
Soldássemos as fendas desse calado
Equilibrando o corpo à sombra do círio
Revestíssemos de coragem abóboda e lastro
Ou se tombasse o mastro sobre delírios toscos
Enxergássemos ainda que febris desastres
Por vieses e enroscos
A fugaz serenidade face a face
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DEUS TRISTE
Deus triste contempla os desacertos de seu povoQue ao mesmo tempo em que clama por piedade
E chora aflito em cada alma que perde o corpo à morte
Não ressuscitou - preferiu estar dentre os abatidos
Pasmo sem ação ante a feracidade dos ladrões e algozes
Mas não faz sentido tanta gente ao mesmo tempo fenecer
Deus chora triste e solitário - por mim e por você
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RESTAURAÇÃO
O altíssimo soberano - aquele que nunca dormiu
Envelheceu desconhecendo o sono
Cochilando apenas recostado à necessidade
De manter-se peremptoriamente acordado
Partiu solidário para longa odisseia
Antes que o caos retomasse o infinito
Assim reimplantou moradas entre quintais
Presas às balaustradas e cercas dos caminhos
Junto aos pomares à beira dos frágeis riachos
Cujas águas inquietas e rasteiras
Voltaram seguir em busca dos sonhos
E das inconstâncias dos oceanos
Vigiou os conceitos das plataformas
Erguidas à procura do destino ideal
Mantendo-se atento aos mínimos gestos
Dos astros no macro espaço entre as esferas
Que circundam e orbitam os planetas
Diante das plateias angelicais
Resguardou o porvir de todos os povos
Recolhendo as possibilidades do desprazer
Eliminando as desventuras da realidade
Convencendo a natureza de que é preciso
Tão quanto necessário e premente
Zelar atento aos ditames dos céus
Soldou os hemisférios circundando os mares
Realinhou as geleiras nas montanhas verbais
Reposicionou novamente todas as espécies nos habitats
Intercalou com noites os claros do sol nascente
Retornando a espera pelo amanhã e depois
O sublime exercício nato da paciência diária
Aí sim ao final da estanque tarefa de restauração
Na manhã do bilionésimo milênio ou algo assim
Contemplando a morada completamente refeita
A missão cumprida e finda a jornada em seu jardim
Descansou por sete dias em sono profundo
Num belo domingo como humano e não deus
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LÁBIOS
A agua e o ar se movimentam
O sopro no vento
A onda no mar
Um voa meus sonhos
Outro afaga os ais
E todos se encontram
Num único porto
No limbo dos dentes
Nem longe nem perto
No abismo do olfato
Batendo nas bordas
Onde os lábios margeiam
E a úmida língua
Bailando na boca sentindo sabores
Sacia a alma
Alimenta o corpo
Respira em poesia
Inspira depois
Acaricia
Repousa
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RESSURREIÇÃO
Para onde irá tua alma?Nem subirei patamares
Estarei retilíneo sepulto com meu corpo
Onde dele dependo para viver a mostra do que penso
Dormirei por séculos entre os pecados cometidos
Assim sobreviverei atemporal ainda que a carne debulhe
Sobreviverei porque o íntimo permanecerá
Desde que tua generosidade
Comigo se apense e a piedade partilhe
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SOBRE AS CAMAS
A vara que ergue a corda
Estica o varal até a altura do sol
Para que o lençol seque e quare
Um pouco mais alvo debaixo do céu
Permanecendo hasteado no alto do pau
Livra os arrastos da límpida barra no chão
A moça contempla o acinte do vento que acorda
Então penso que todos os dias lavam-se roupas
Onde se apagam os rastos deixados de suor e amores
Apenas para estender as cores e enfeitar o portal
Por onde transitam prazeres e dores
Vestígios dos nossos sonhos e dramas
O mundo é esse circo irreal
Achamos que o envelhecer amarrota as camas
Mas na verdade revive as fibras e o ideal
E renovam-se os panos enviesados
Enternecidos por vivas chamas
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INDIGENTE
O santo torrão onde pisa meu pé pode não ser meuPois nenhum palmo desse abençoado solo sequer me pertence
Não se lavrou em meu nome nenhuma escritura pública
Em que me ateste a posse de qualquer morada ou cerca
Não grilei gleba alguma no radar da noite nem a herdei
E nem de ti o mundo tomei para que desolasses sem chão
Plantei sim árvores inúmeras nas beiras das plagas
Ajudei-te a recolher os grãos e preservei tuas sombras
Transmutando as poças em riachos viçosos diversos
Que seguem o curso no entorno da orla de versos
Juntando as fronteiras longínquas desta nação
Sou eu agente dessa massa que se orgulha e se ampara
E sim da oculta imagem que te reflete o espelho
Pois a terra que é tua é o lugar que me abraça
Ainda que seja eu indigente e não comungue dessa hóstia
Prossigo forte país feliz altaneiro - sou eu povo tua pátria
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ETAPAS
Considero paixão cada etapa vencida
Mas para que possa vencê-las
É preciso lutar essa luta aguerrida
E dela entender os ditames do tempo
Cada oportunidade e a rotina da vida
Lá de cima da montanha
De onde possam vir teus medos
Ouço chamados contínuos e apelos
Para que eu chegue ao cimo
E contemple a paisagem
Certamente seja esse o segredo do vento
Varrer-se na pedra sem perder-se da nuvem
Inda que não as tenha entre os dedos=======================================================================================
IMAGINA
Imagina enfimSe a luz é ou não companheira das sombras
Pois tantas vezes seria a noite quem iluminaria o dia
Desapercebido porém
Não fosse a certeza de que esses raios são apenas sobras
No extenso veludo negro da penumbra
Onde o sol morreria
Apenas pelo gosto de ressuscitar no brilho de cada estrela
Desde que eu a olhe pelos olhos da poesia